– Vamos encaminhá-los para uma sala para conversarem e, quando estiver pronta, gostaria de lhe fazer umas perguntas.
Conduz-me a uma pequena sala quadrada com uma mesa de plástico e algumas cadeiras também de plástico a rodeá-la. Não entrava numa sala de interrogatório há anos, e a visão causa-me um aperto no peito. Sobretudo quando o detetive me senta numa das cadeiras e me deixa ali sozinha com a porta fechada. Pensava que o Brock ia entrar comigo, mas parece estar ocupado no exterior. Pergunto-me o que lhe estarão a dizer.
Passo quase outros quarenta minutos sozinha na sala, num pânico crescente. Quando o rosto familiar do Brock surge à porta, quase desato a chorar.
– Por que demoraste tanto? – exclamo.
O Brock tem uma expressão conturbada no rosto. Parece um pouco rígido ao instalar-se na cadeira diante de mim. Há uma cratera entre as suas sobrancelhas.
– Millie – diz. – Estive a falar com o detetive lá fora. Estão relutantes em dizer-me grande coisa, mas isto não é um interrogatório de rotina. És a principal suspeita.
Fico a olhar para ele. Como pode ser? A Wendy disse à polícia que foi ela que alvejou o Douglas. Estão a duvidar da sua história? Devia ser um caso simples.
A não ser que...
– Têm um mandado de busca para o teu apartamento –diz-me. Um
procuram. Não tenho lá nada que seja minimamente suspeito. Felizmente, não sujei de sangue as minhas roupas ontem à noite. Verifiquei.
– Por que haveriam de pensar que o mataste? – O Brock abana a cabeça. – Não faz sentido.
É agora. Tenho de lhe falar do meu passado. Se vai agir como meu advogado, precisa de saber. Caso contrário, passará por idiota.
– Escuta – digo-lhe. – Há algo que precisas de saber sobre mim.
Arqueia as sobrancelhas na minha direção, expectante.
É tão difícil. Amaldiçoo-me por não ter dito nada mais cedo. Agora que estou a fazer isto, porém, lembro-me do porquê de o ter adiado durante tanto tempo.
– Sabes, é que eu tenho... registo criminal.
– Tens o quê? – O seu maxilar parece estar prestes a desencaixar-se. – Registo criminal? Quer dizer que estiveste presa?
– Sim. É mais ou menos isso que registo criminal significa.
– Por que?
E agora vem a parte difícil.
– Foi por homicídio.
O Brock parece estar a uns dois segundos de cair para o lado – espero que o seu coração esteja bem.
– Homicídio?
– Foi em legítima defesa – alego, o que não é inteiramente verdade. – Estava um homem a atacar a minha amiga e eu impedi-o. Era adolescente, na altura.
Ele lança-me um olhar.
– Não se vai para a prisão por legítima defesa.
– Algumas pessoas vão.
Não parece acreditar em mim, mas não vou entrar em grandes pormenores sobre o rapaz que estava a tentar violar a minha amiga. Sobre como fiz o que tinha de fazer para o parar, apesar de os procuradores terem feito parecer que fui longe de mais.
– Não admira que nunca tenhas tirado o teu curso superior – murmura para consigo. – Sempre disse a mim mesmo que tinhas apenas despertado tarde.
– Desculpa. – Baixo os olhos. – Devia ter-te contado.
– Parece-te, caramba?
– Desculpa – repito. – Mas tinha medo que, se te dissesse, olhasses para mim como... bem, da maneira como estás a olhar agora mesmo.
O Brock passa uma mão pelo cabelo.
-Jesus, Millie. Eu só... Sabia que havia algo de que não me querias falar, mas nunca imaginei...
– Pois – murmuro.
– Muito bem – diz, afrouxando um pouco a gravata azul. – Muito bem, tens registo criminal. Pondo isso de parte por um momento, por que acham que mataste o Douglas Garrick?
Não posso responder a essa pergunta, pois não sei o
que a Wendy disse à polícia. Ainda que tudo o que eu diga ao Brock seja supostamente confidencial, não me consigo obrigar a contar-lhe o que aconteceu ontem à noite.
– Não faço ideia.
Inclina a cabeça, pensativo.
– Disseste-me ontem à noite que estavas doente. Saíste mais cedo do apartamento?
– Bem, acabei o meu trabalho – respondo cautelosamente, sabendo que o porteiro pode confirmar quando saí do apartamento. – Mas, como não me estava a sentir bem, fui direta para casa. Já estava quase a chegar quando falámos ao telefone.
O Douglas... nem sequer estava lá quando deixei o apartamento.
– Bem. – O Brock esfrega o queixo. – Estão só a arranjar-te dificuldades por causa do teu registo criminal. Vamos resolver isto.
Quem me dera ter a sua confiança.
43
Acontece que Ramirez não pode falar comigo de imediato, o que suspeito ser alguma espécie de tática para me quebrar. O Brock tem de atender uma chamada do trabalho, pelo que me deixa sozinha na sala de interrogatório, onde passo a hora seguinte num silencioso pânico.
Há já mais de duas horas que estou na esquadra quando Ramirez entra finalmente para falar comigo, seguido de perto pelo Brock. Este senta-se ao meu lado e aperta-me rapidamente a mão por baixo da mesa. É reconfortante saber que não me odeia totalmente, apesar da descoberta do meu registo criminal. Embora o dia seja ainda uma criança.