O Brock olha fixamente para a mesa de plástico, de olhos vidrados. Era suposto estar aqui como meu advogado, mas há vinte minutos que não diz uma palavra. Se soubesse que era assim que as coisas se iam desenrolar, nunca lhe teria pedido para vir.
– Brock? – chamo.
Lentamente, ergue o olhar.
– Estás bem? – pergunto suavemente.
– Não. – Lança-me um olhar cáustico. – Que diabo foi aquilo, Millie? A sério?
– Brock – exclamo, com voz aguda. – Não podes realmente acreditar...
– Acreditar em quê? – retorque. – Até há poucas horas, nem sabia que estiveste na prisão por homicídio. E agora descubro que me tens andado a trair com aquele sacana rico para quem trabalhavas...
– Eu não te traí! – expludo. – Jamais te trairia!
– Então que raio andavas a fazer na última quarta-feira à noite? – pergunta-me. – O que andavas a fazer ontem à noite? E em todas as outras noites em que era suposto irmos jantar e me deixaste pendurado? Deves compreender que tudo isto parece bastante suspeito. Sobretudo tendo em conta, enfim, que aparentemente já mataste um tipo uma vez.
Bem, não apenas uma vez. Mas sinto que dar-lhe essa informação não ajudaria o meu caso.
– Já te disse, estava a tentar ajudar a Wendy.
– Estavas a tentar ajudar a mulher que agora te acusa de teres tido um caso com o marido dela e de o assassinares?
Bem, dito dessa forma...
– Não sei por que disse isso ao detetive. Talvez tenha entrado em pânico. Mas acredita, era abusivo com ela. Vi-o com os meus próprios olhos.
– Millie – Brock fita-me com uma expressão angustiada nas suas belas feições –, ontem à noite, liguei-te e parecias muito perturbada com qualquer coisa. É óbvio que não tinhas nenhum vírus estomacal. Isso era mentira.
– Sim – admito. – Isso era mentira.
– Millie – falha-lhe a voz ao dizer o meu nome. – Mataste o Douglas Garrick?
Quase tudo aquilo de que o detetive Ramirez me acusou era falso. Mas uma coisa era absolutamente verdadeira. Alvejei o Douglas Garrick. Matei-o. E, embora negue tudo o resto, esse facto permanece.
– Oh, Cristo – murmura o Brock. – Millie, não posso crer que foste capaz de...
– Mas não é o que pensas – digo.
A cadeira de plástico do Brock raspa contra o chão duro da sala de interrogatório quando se levanta.
– Não posso representar-te, Millie. Não é apropriado e... simplesmente não.
Apesar da inutilidade do meu namorado durante o interrogatório, a ideia de me abandonar assusta-me ainda mais.
– Sabes que não tenho dinheiro para um advogado...
– Então podes usar o defensor público – diz. – Ou pedir um empréstimo, ou... não sei. Mas não posso ser eu. Lamento.
– É assim, então. – O meu queixo treme ao erguer o olhar. – Estás a acabar comigo.
– Suponho que sim. – Abana a cabeça. – Sinceramente, nem sei quem és. – Passa a mão pelo cabelo, puxando obsessivamente as madeixas. – Não posso crer que isto está a acontecer. Não posso mesmo. Queria que conhecesses os meus pais. Pensava realmente que tu e eu...
Não precisa de completar o pensamento. Imaginava um futuro em que casaríamos. Teríamos filhos juntos. Envelheceríamos juntos. Não imaginava que fosse acabar numa esquadra, comigo a ser interrogada por homicídio.
Assim, não o posso realmente culpar por partir. Mas não deixo de irromper em lágrimas mal a porta se fecha nas suas costas.
45
O verdadeiro milagre é que, depois de tudo isto, o detetive Ramirez não me prende. Quando me dá a notícia de que posso partir, chego mesmo a perguntar-lhe:
– Tem a certeza?
Estava certa de que me iam levar sob custódia, mas deixa-me sair com um aviso para não deixar a cidade. Dado que não tenho dinheiro nem carro, não vou a lado nenhum nos próximos tempos.
Depois de sair da esquadra, agarro instintivamente no telemóvel. É quando percebo que não tenho ninguém a quem ligar. Normalmente, teria ligado ao Brock para o informar de que fui libertada, mas tenho a sensação de que não quer saber.
Claro que há uma pessoa que quereria saber.
O Enzo.
O Enzo ajudar-me-ia. Se lhe ligasse, acreditaria sem questionar cada palavra que eu dissesse. Mas não sei se quero seguir outra vez por esse caminho. E fiz todo aquele discurso sobre não precisar da sua ajuda, pelo que não estou prestes a voltar para ele a rastejar uma semana depois, implorando que me salve.
Posso salvar-me a mim mesma. Nem sequer estou detida. Talvez toda esta situação se resolva.
Após ponderar as minhas opções por um instante, seleciono o número da Wendy da minha lista de contactos. Não sei se é apropriado ligar-lhe neste momento, mas preciso de respostas. Tínhamos um acordo ontem e o que o detetive alega vai totalmente contra o que decidimos. Por outro lado, talvez estivesse apenas a inventar coisas para me assustar e levar a confessar ou a implicar a Wendy. Não excluiria nada em relação àquele detetive.
Naturalmente, vai logo para o correio de voz.
Mais vale ir para casa. Afinal, amanhã podem prender-me e nunca mais lá poderei voltar. Não é como se pudesse pagar uma fiança.