– Agora, vá embora. – A Wendy passa por cima do corpo de Douglas, evitando cuidadosamente a poça de sangue. – Eu assumo a responsabilidade por isto. É culpa minha. Fui eu que a trouxe para esta situação e não a vou arrastar comigo para o fundo. Saia daqui enquanto ainda pode.
– Wendy...
– Vá! – Os seus olhos parecem quase tão desvairados como os de Douglas quando tinha as mãos a apertar-lhe o pescoço. – Por favor, Millie. É a única maneira.
– Está bem – digo baixinho. – Mas... se precisar de mim...
Ela estende a mão para me apertar o braço.
– Acredite, já fez o suficiente – hesita. – Devia apagar todas as nossas mensagens de texto. As minhas e também as do Douglas. Por via das dúvidas.
É uma ideia extremamente boa. A Wendy e eu discutimos algumas coisas que eu não gostaria que a polícia soubesse se começarem a investigar este homicídio. E talvez seja melhor que não vejam as mensagens entre mim e Douglas a enunciar que esta seria a minha última sessão. Agarro na minha bolsa e, com as mãos quase demasiado trémulas para o fazer, consigo, ainda assim, apagar as conversas com ambos do meu telemóvel.
– Não tente contactar-me – diz a Wendy. – Eu trato disto, Millie. Não se preocupe.
Começo a protestar, mas depois fecho a boca. Não adianta. A Wendy já decidiu que quer arcar com as consequências, e é do meu interesse deixá-la. Despeço-me da penthouse, sabendo que nunca mais voltarei a pôr os pés neste lugar. A última coisa que vejo ao sair do quarto é a Wendy de pé junto ao cadáver de Douglas.
E está a sorrir.
40
Durante toda a viagem de regresso a casa, não consigo parar de tremer.
Todos no metro devem achar que sou louca, pois, apesar de estar cheio, ninguém se sentou ao meu lado durante o regresso ao Bronx. Basicamente, passei toda a viagem abraçada a mim mesma e a balançar para a frente e para trás.
Não posso acreditar que o matei. Não era minha intenção.
Não, isso não é justo. Alvejei o homem no peito. Seria mentira dizer que não o queria morto. Mas esta era a última forma como queria que as coisas se desenrolassem quando vi aquela arma no dicionário.
Vai ficar tudo bem, ainda assim. Já passei por isto antes. A Wendy cingir-se-á à sua história e a polícia não fará ideia que eu estive envolvida.
Agora, só tenho de lidar com ter morto um homem.
Outra vez.
Mal saio da estação de metro, o meu telemóvel vibra. Uma chamada não atendida. Tiro-o da bolsa, quase à espera que seja a Wendy, mas, em vez disso, o ecrã está cheio de chamadas perdidas e mensagens de voz do Brock.
Oh, não! Era suposto jantarmos esta noite. Era suposto ser hoje que íamos ter a conversa. Bem, isso já não vai acontecer.
Por um momento, fico a olhar para o nome do Brock no meu telemóvel, sabendo que tenho de lhe ligar, mas não querendo fazê-lo. Finalmente, carrego no seu nome. Atende quase de imediato.
– Millie? – Parece uma combinação de fúria e preocupação. – Onde estás?
– Eu... – desejo ter tirado um momento para pensar numa desculpa válida antes de lhe ligar. – Não me sinto bem.
– Oh, a sério? – Parece cético. – Qual é o problema, ao certo?
– Tenho... tenho um vírus estomacal. – Quando não diz nada, decido juntar mais alguns pormenores. – Surgiu de repente. Sinto-me péssima. Simplesmente não paro de vomitar, sabes? E, além disso... bem, sai pelos dois extremos. Acho que preciso de ficar em casa esta noite.
Preparo-me para o ouvir contestar a minha história falsa, mas, em vez disso, a sua voz suaviza-se.
– Não pareces bem.
– Pois...
– Podia passar por aí – oferece-se. – Levar-te uma canja de galinha? Esfregar-te as costas?
Tenho o namorado mais doce de sempre. É simplesmente tão boa pessoa. E, assim que isto acabar, vou decididamente compensá-lo. Amo-o mesmo. Acho eu.
– Não, mas obrigada – murmuro ao telemóvel. – Preciso só de estar sozinha e recuperar. Fica para a próxima?
– Claro – concorda. – Põe-te simplesmente melhor.
Ao desligar a chamada, também me sinto culpada pela forma como estou a tratar o Brock, além de tudo o resto. Mas não quero arrastá-lo para esta confusão. A única pessoa com quem poderia falar sobre isto é o Enzo, e isso é má ideia por múltiplas razões. Preciso simplesmente de ir para casa e de tentar não pensar em nada disto. Em breve, tudo terá ficado para trás.
41
Acordo a sentir-me como se tivesse sido atropelada por um camião, e tenho a têmpora direita a latejar.
Não consegui dormir esta noite. Andei às voltas na cama e, sempre que começava a adormecer, via o cadáver de Douglas caído no chão do apartamento. Finalmente, dirigi-me tropegamente à casa de banho e tomei um dos comprimidos para dormir que lá tenho guardados. Mergulhei então num sono cheio de sonhos, assombrada pelos olhos mortos do meu antigo patrão a fitar-me.
Viro-me na cama, tocando no ninho de ratos que é o meu cabelo. O latejar na minha têmpora intensifica-se e demoro um momento a perceber que há também batidas a vir da porta da frente.
Está alguém à porta.
Consigo arrastar-me para fora da cama e embrulhar o corpo num roupão.