Há algo mais a pesar intensamente na minha mente esta noite: assim que tiver terminado aqui, o Brock e eu vamos ter a Conversa. Das últimas vezes que o vi, evitámos cuidadosamente quaisquer discussões sérias, mas isso já se prolongou o suficiente. Vamo-nos encontrar no seu apartamento e vou contar-lhe tudo. Um Guia Completo para a Milite. E talvez tudo termine ou talvez ele esteja bem com tudo. Só há uma maneira de descobrir.
A maioria da roupa dos Garrick vai para a limpeza a seco, portanto é só uma pequena pilha de camisolas interiores, roupa interior e meias, sendo que a maioria nem sequer parecia suja quando a atirei para a máquina de lavar. Enquanto organizo e arrumo tudo nas devidas gavetas, não consigo parar de pensar na arma escondida na estante.
Fiz a Wendy jurar que não faria nada estúpido, mas, apesar de ter prometido, não acredito inteiramente nela. Chegou ao fim das suas forças. Pude ver-lhe o desespero no rosto pisado enquanto segurava aquela arma nas mãos. Da próxima vez que Douglas a irritar, pode muito bem matá-lo.
Não que eu tivesse algum problema com o sacana ser despachado. Mas, se ela o fizer, vai para a prisão. Nunca foi a nenhum médico ou hospital para documentar a forma como era maltratada e, mesmo estando eu disposta a jurar o que sei em tribunal, pode não ser suficiente.
Decidi oficialmente que vou ligar ao Enzo amanhã. Talvez o melhor seja afastar-me por inteiro desta situação –sobretudo porque já nem estarei a trabalhar aqui – e deixá-lo lidar com ela. Afinal, conhece todos «os tipos». Fazia sentido sermos uma equipa quando namorávamos, mas a verdade é que é difícil estar perto dele agora.
O Enzo ajudará a Wendy. Sei que sim.
Estou mesmo a acabar de tratar da roupa quando oiço um estrondo vindo do fundo do corredor. Já antes ouvi algo assim aqui. A diferença é que agora sei que é o som da Wendy a ser magoada.
Saio do quarto principal para ver o que se passa. Como sempre, a porta do quarto de hóspedes está fechada, mas consigo ouvir a voz de Douglas, vinda do interior.
– Acabo de ver esta cobrança no cartão de crédito! – vocifera, ao fundo do corredor. – O que é isto? Oitenta dólares por um almoço no La Cipolla?
Nunca o ouvi falar assim. Não deve saber que estou na casa. Disse-me para sair mais cedo, por isso deve pensar que já parti e que pode dizer-lhe o que quiser sem que eu oiça.
– Eu... peço desculpa. – A Wendy parece frenética. – Encontrei-me com a minha amiga Gisele para almoçar, que está entre empregos, por isso ofereci-me para pagar.
– Quem te disse que podias sair de casa?
– O quê?
– Quem te disse que podias sair de casa, Wendy?
– Eu... eu só... Desculpa, é que é tão difícil estar sempre dentro de casa e...
– Alguém podia ter-te visto! – reclama. – Podiam ter-te visto o rosto, e o que pensariam de mim então?
– Eu... Lamento muito, eu...
– Aposto que lamentas. Não pensas em nada, pois não? Queres que as pessoas pensem que sou um monstro!
– Não. Isso não é verdade. Juro.
Faz-se um longo silêncio no quarto. Acabou a discussão? Ou preciso de irromper por ali adentro ou de chamar a polícia? Mas não, não posso chamar a polícia – a Wendy disse-me que isso estava fora de questão.
O que eu não daria por um amigo na Polícia de Nova Iorque...
Em bicos de pés, chego-me o mais perto que me atrevo do quarto, procurando ouvi-los. Quando estou prestes a bater à porta, Douglas recomeça a falar, e desta vez parece ainda mais zangado.
– É um restaurante terrivelmente romântico para ires com uma amiga, não é? – pergunta.
– O quê? Não! Não é... romântico...
– Consigo sempre perceber quando estás a mentir, Wendy. Com quem tiveste realmente esse almoço extravagante?
– Já te disse! Com a Gisele.
– Certo. Agora diz-me a verdade. Foi com o mesmo tipo que te levou para Norte?
Chego-me mais perto do quarto. A Wendy está a soluçar.
– Foi com a Gisele – geme.
– Isso é treta – silva. – Não vou permitir que a vagabunda da minha mulher se ande a passear pela cidade com outro homem! É humilhante.
Então, um estrondo doentio emerge do interior do quarto. E a Wendy grita.
Não posso deixar que a magoe. Tenho de fazer algo. Só que, de repente, o quarto ficou completamente silencioso.
E, então, oiço um gorgolejar vindo do interior do espaço.
Como de uma mulher a ser estrangulada.
Já não há margem para perder tempo. O que quer que esteja a acontecer naquele quarto, tenho de o impedir.
É quando me lembro da arma.
38
Lembro-me exatamente de onde está.
Corro para a estante e tiro o dicionário. A arma está aninhada no mesmo espaço escavado onde se encontrava há dois dias, quando a Wendy a encontrou. Como eu sabia que estaria. Com mãos ligeiramente trémulas, agarro na arma.
Enquanto olho fixamente para o revólver na minha mão, pergunto-me se estarei a cometer um erro grave. Embora esteja a acontecer algo terrível naquele quarto, não sei se melhorará a situação juntar uma arma à mistura. Quando existe a hipótese de alguém ser alvejado, as coisas rapidamente podem descarrilar.