Por um segundo, quase espero que algo me salte para cima. Amaldiçoo-me por não ter o meu gás-pimenta pronto. Mas, ao entrar, está tudo tranquilo. Não há ninguém à minha espera. Ninguém me salta para cima. Não está aqui ninguém.
– Olá? – chamo. Como se o intruso estivesse por aqui à espera de um cumprimento adequado.
Não obtenho resposta. Estou sozinha neste apartamento. Talvez Douglas venha a juntar todas as peças, mas tal ainda não aconteceu.
Portanto, fecho a porta do apartamento atrás de mim e corro o ferrolho.
33
Sabes – diz-me o Brock, enquanto enfia uma garfada de massa
Estamos os dois a jantar no apartamento do Brock, na sua minúscula sala de jantar. Os Garrick têm uma verdadeira sala de jantar, mas a maioria dos apartamentos em Nova Iorque tem apenas uma minúscula área na sala de estar com uma mesa que pode ser manualmente estendida para acomodar mais de quatro pessoas. E o apartamento do Brock é considerado grande para os padrões de Manhattan. Num apartamento pequeno, não haveria de todo área de jantar, e a cozinha, a sala de estar, o quarto e a casa de banho seriam todos uma divisão, como em minha casa.
Dito isto, podia ter melhor, se quisesse. Os pais são ricos – não insanamente ricos como Douglas Garrick, mas decididamente de classe alta –, só que o Brock não quer aceitar o dinheiro dos pais, por mais que lho tentem oferecer. Ensinaram-me a pescar, gosta de dizer. Sente que é suficiente terem financiado o seu curso universitário na Ivy League e a faculdade de direito, e que agora é da sua responsabilidade ganhar o seu próprio sustento, isto é, pescar.
Respeito isso nele. É realmente uma excelente pessoa. E estou agradecida por não me ter pressionado a marcar outra data específica para termos a Conversa, ainda que agora pareça que podia simplesmente adiá-la indefinidamente – embora saiba que não devo.
Misturo um pouco mais do meu caril vermelho com o arroz branco. Adoro a comida deste restaurante, pois os caris são sempre superpicantes.
– Um emprego de secretária, hã?
O Brock assente.
– Andas à procura, certo?
Passaram três dias desde que deixei a Wendy em Albany. Disse ao Brock algo vago sobre já não necessitarem dos meus serviços, e não teve razões para suspeitar que algo mais se passasse. Douglas Garrick deve supostamente regressar da sua viagem de negócios amanhã e, sempre que penso nisso, sinto um mal-estar no estômago. Mas ainda acredito que vai tudo correr bem.
Seja como for, terei de arranjar uma maneira de deixar aquele trabalho como empregada de limpeza. Talvez envie uma mensagem de texto a Douglas na próxima semana a dizer-lhe que a minha agenda ficou cheia e não posso trabalhar mais para ele. Isso deixar-me-á miseravelmente desempregada, e a ideia de um emprego com horário regular e
– Parece ótimo – digo. – Mas seria um emprego como rececionista compatível com o meu horário escolar?
– Como disse, é a tempo parcial – responde-me. – Na verdade, esperam encontrar alguém que possa fazer os fins de semana, por isso seria perfeito para ti.
Seria perfeito. Absolutamente perfeito. E o Brock disse-me que todos na sua firma são bem pagos. E, então, não teria de aceitar ter de trabalhar para todos aqueles casais neuróticos de Manhattan.
Claro que, se a firma do Brock pensar em contratar-me, fará uma verificação de antecedentes. E, quando descobrirem o meu passado, também ele descobrirá. Posso até imaginar alguém da firma a importuná-lo com isso.
Quase consigo imaginar a sua reação. O seu habitual sorriso descontraído a fugir-lhe do rosto
E, depois, a conversa ao chegar a casa do trabalho... oh, meu Deus...
Isto está a ficar de loucos. Já escondi a verdade durante tempo suficiente. E, se disse ao Enzo que é O Tal, então significa que o meu interesse é sério. Significa ser completamente honesta.
– Além disso – acrescenta o Brock –, os meus pais vêm à cidade para um casamento no próximo mês. E eu... – esboça um sorriso torto. – Gostaria que jantássemos todos juntos.
– Os teus pais? – engulo em seco.
– Quero que te conheçam. – Estendendo o braço sobre a pequena mesa de jantar, pousa a sua mão na minha. –Quero que conheçam a mulher que amo.
Se estivéssemos num concurso de «amo-te», o Brock estaria a aniquilar-me a uma proporção de uns dez para um.
Isto está a ficar descontrolado. Não posso adiar mais a Conversa. Tenho de lhe contar tudo. Agora.
– Ei, Brock. – Pouso o meu garfo. – Há algo que preciso de te dizer.
Arqueia uma sobrancelha.
– Oh?
– Sim...
– Isso não parece bom.
– Não, é... – Tento engolir, mas tenho a garganta demasiado seca. Agarro no meu copo, mas bebi a água toda enquanto comia o caril picante. – Deixa-me ir buscar um pouco mais de água.