Só que, mal volto a sair para as ruas, questiono a sabedoria de devolver o carro à meia-noite. Agora, tenho de voltar ao sul do Bronx e não tenho carro. Apesar de me sentir confiante em como me posso proteger, não estou muito certa, ainda assim, de que o metro seja boa ideia a esta hora. Talvez ao fim de semana; numa quarta-feira à noite, porém, seremos só eu e os assaltantes e violadores.
Mas não posso pagar um uber neste momento. Já nem sequer tenho emprego.
Enquanto paro na esquina ao fundo do quarteirão da Happy Car Rental, a ponderar as minhas opções, um par de faróis ilumina a rua. Viro a cabeça, mesmo a tempo de ver um carro a aproximar-se. Um ligeiro preto com o logótipo da Mazda na grelha da frente.
E o farol do lado direito rachado.
Antes mesmo de conseguir ver bem a matrícula, já sei que é o mesmo carro que me tem andado a seguir nos últimos meses. O mesmo que ia atrás de mim esta tarde quando estava a conduzir com a Wendy. E agora apanhou-me sozinha. Numa esquina deserta. A meio da noite.
O Mazda encosta à berma da estrada. Consigo apenas distinguir a vaga silhueta de um homem no lugar do condutor. O motor desliga-se, mas deixa os faróis a brilhar na minha direção, suficientemente intensos para eu ter de me virar.
E, então, a porta do veículo abre-se.
31
Não vou cair sem dar luta.
Freneticamente, vasculho a minha bolsa à procura da minha lata de gás-pimenta. Ainda me resta algum, depois de ter atingido o Xavier naquela primeira vez. Se for o Douglas, não deixarei que me arranque qualquer informação. E, se for o Xavier, já o venci uma vez e posso voltar a fazê-lo. Não tenho medo.
Ainda que o meu coração esteja a palpitar com bastante violência enquanto o homem sai do carro.
Os meus dedos estabelecem contacto com a lata de gás-pimenta. Tiro-a, de dedo no bocal.
– Não se aproxime! – silvo à sombra escura.
Lentamente, a sombra ergue as mãos no ar. Oiço uma voz familiar.
– Não dispares, Millie.
Levo uma fração de segundo a reconhecer a voz. De repente, invade-me uma sensação de calor e o meu rosto abre-se involuntariamente num sorriso. Baixo a lata de gás-pimenta e atiro-me ao homem ainda de mãos no ar.
– Enzo! – exclamo, envolvendo-o nos meus braços. –Oh, meu Deus!
Ele retribui o abraço e, por um momento, não sinto mais nada a não ser pura alegria, envolta nos braços confortantes do meu ex-namorado. Costumava sentir-me sempre tão segura quando me abraçava assim, e não sabia se alguma vez voltaria a estar nos seus braços. E agora aqui está ele. Os seus ombros largos, o denso cabelo preto, o seu olhar penetrante. E a minha característica preferida nele – o sorriso, que me faz sentir como se achasse que sou a pessoa mais incrível que alguma vez conheceu.
– Millie – sussurra aos meus cabelos. – Estou tão feliz por estar de volta.
– Quando regressaste?
Hesita fugazmente.
– Há pouco mais de três meses.
Se houvesse um disco a tocar uma bela música de reencontro, este é o momento em que o disco teria parado abruptamente. Afasto-me do Enzo, de queixo caído.
-Três meses?
A expressão acanhada diz-me tudo o que precisava de saber – e, infelizmente, tudo faz terrível e perfeito sentido. Nos últimos meses, tenho tido a sensação de que havia alguém a seguir-me – a observar-me. Pus as culpas no Xavier ou no Douglas, mas nenhum tinha nada a ver com isso. Foi o Enzo o tempo todo. É o Enzo o proprietário do Mazda preto com o farol direito rachado. Fiquei tão entusiasmada por o ver que estava a ignorar o que tinha mesmo à frente dos olhos.
– Andavas a perseguir-me! – Dou-lhe uma palmada no braço. – És inacreditável! Por que haverias de fazer isso?
– Perseguir não – diz, cerrando os maxilares. Céus, tinha-me esquecido de como é atraente. É uma distração, e não me posso deixar distrair, pois estou legitimamente furiosa com este homem. – Perseguir não... sou guarda-costas.
– Guarda-costas? – Cruza os braços sobre o peito. – É uma desculpa bastante fraca. Por que não vieste simplesmente ter comigo e dizer olá em vez de me andares a seguir por aí durante três meses?
– Porque... – Baixa os seus olhos muito negros. – Pensei que estavas zangada comigo por não ter voltado quando querias.
– Certo. E estava zangada. Perguntei-te quando regressavas e nem sequer foste capaz de me dar uma resposta.
– Mas, Millie, não podia. A minha mãe... estava tão doente e eu era tudo o que ela tinha. Como podia deixá-la?
– Deixaste-a agora – saliento.
– Sim – concorda, franzindo o sobrolho. – Isso é porque morreu.
Bem, agora sinto-me uma verdadeira idiota.
– Lamento muito, Enzo.
Por um momento, fica calado.
– Sim.
– Teria... – Engulo o pequeno nó que se formou na minha garganta. – Se me tivesses dito, podia ter estado lá para ti. Mas tu simplesmente... descartaste-me. Sabes disso.
– Não podia voltar – diz, cerrando os dentes. – Foi só isso que te disse. Nunca disse que já não te amava. – Lança-me um olhar. – Foste tu quem quis acabar com o que tínhamos. Tu é que começaste a namorar com esse tal Brócolo.
Reviro os olhos.
– O nome dele é Brock.