– Estou só a dizer que foste tu quem quis seguir em frente. Não eu. Eu ainda... Eu nunca deixei de sentir amor por ti.
Resfolego.
– Sim, pois. Esperas que acredite que não estiveste com nenhuma outra mulher depois de mim.
– Não. Nenhuma outra mulher.
Os seus olhos encontram os meus – está a falar a sério. Algo que o Enzo não faz é mentir. Não a mim, pelo menos. Por outro lado, posso estar enganada. Também não o tomava por um perseguidor.
– Não devias ter começado a seguir-me daquela maneira – digo com severidade. – Foi sinistro. Devias ter-me dito que estavas de volta.
– Para me poderes mandar passear? – As suas sobrancelhas negras arqueiam-se. – Enfim, como disse, sou guarda-costas. Precisas de um guarda-costas.
– Não preciso nada. Sei tomar conta de mim mesma.
Agora é a vez do Enzo resfolegar.
– Oh, a sério Vives naquele bairro terrível do sul do Bronx. Achas que não precisas que vele por ti? Pois deixa-me jurar-te que houve pelo menos um dia em que não terias chegado da estação de comboios ao teu prédio, se eu não tivesse estado atrás de ti, a fazer de guarda-costas.
Todos os pelos na parte de trás do meu pescoço se eriçam. Estará a dizer a verdade? Haveria perigos à espreita nas sombras atrás de mim que derrotou antes que eu sequer percebesse?
– Como disseste, tenho namorado – digo baixinho. – E, se eu precisar, pode proteger-me, muito obrigada.
– Como te protegeu do Xavier Marin?
Ouvir o nome desse homem dos lábios do Enzo é como um murro no rosto.
– O que queres dizer com isso?
Mesmo no escuro, posso ver as mãos do Enzo cerrar-se em punhos.
– Aquele homem... atacou-te. Não pude fazer nada para o impedir porque foi no teu próprio prédio. E depois deixa-
ramno simplesmente livre. E esse teu Brócolo...
Sinto o rosto a arder.
– Brock.
– Desculpa. Brock. – A sua voz está eivada de fúria. – Não fez nada. Nada. Não se importa que o homem que lhe atacou a namorada continue por aí. Sem castigo! Saiu impune! Mas eu... eu importo-me. – Bate com um punho no peito. – Por isso assegurei que tem o que merece, de que nunca mais te volta a incomodar.
Subitamente, sinto a cabeça à roda. Lembro-me do Xavier a ser levado do meu prédio algemado, a gritar que as drogas encontradas não lhe pertenciam. A Sra. Randall disse que todos tinham ficado surpreendidos ao saber que andava a traficar droga.
– Foste tu que...
Encolhe um ombro.
– Conheço um tipo.
É devido ao Enzo que o Xavier está na prisão. Se não fosse por ele, aquele homem ainda andaria nas ruas. O Enzo tem razão – o Brock não fez nada.
Subitamente, já não sei o que pensar.
– Anda – diz, acenando com uma mão na direção do seu Mazda. – Dou-te boleia para casa. Tu, pensa se me odeias ou não.
É justo.
Subo para o carro ao lado do Enzo, que se senta no lugar do condutor. Tem o seu cheiro. Aquele cheiro amadeirado que sempre o acompanha. Fecho os olhos, perdida no passado. Por que teve de partir? Agora as coisas são tão complicadas. Fez demasiadas coisas erradas. Não posso simplesmente perdoar-lhe.
Pois não?
– Então – diz, ao começarmos a dirigir-nos à zona alta da cidade. – Para onde ias hoje com tanta pressa?
Puxo um fio solto das minhas calças de ganga.
– Como se não soubesses.
– Não sei tudo, Millie. – Lança-me um olhar, o seu rosto par cialmente obscurecido pelas sombras. – Diz-me.
E é isso que faço.
32
Conto-lhe tudo. Até aos últimos pormenores dos abusos de Douglas e da fuga de Wendy.
Prometi à Wendy que não dizia a ninguém, mas o Enzo não é qualquer um. Ele percebe. Nós os dois trabalhámos lado a lado para ajudar mulheres como a Wendy. Se há em todo o mundo algum ser humano a quem possa confiar a história, é ele.
Levo quase o caminho todo até à minha porta da frente a chegar ao fim da história. O Enzo não disse grande coisa. É típico dele, porém. Nunca conheci ouvinte tão intenso. Muitas vezes aprecio a forma como presta atenção ao que eu digo. Mas, ao mesmo tempo, dá comigo em doida quando não consigo perceber o que está a pensar.
– E pronto – digo por fim, após descrever como deixei a Wendy no motel e o meu regresso à cidade. – Agora ela está a salvo.
O Enzo continua calado.
– Talvez – acaba por dizer.
– Nada de talvez. Está.
– Esse homem, Douglas Garrick – diz. – É poderoso e perigoso. Não creio que vá ser assim tão fácil.
– Só dizes isso porque o fiz sem ti. Não acreditas que possa fazer isto sozinha.
Ele vira para a rua em frente ao meu prédio. Está completamente escura e inerte, exceto por um homem solitário ao canto que fuma algo que provavelmente não é um cigarro. Olhando para esta rua, consigo perceber por que o Enzo se sentiu obrigado a proteger-me, embora continue a não acreditar que precisasse.
Vira-se para me olhar nos olhos.
– Acredito que podes fazer tudo – diz baixinho. – Mas, Millie, estou só a dizer... tem cuidado.
– A Wendy é muito cuidadosa.
– Não. – Os seus olhos negros trespassam-me. – Tem cuidado m. Ela foi-se embora, mas tu continuas aqui.