Sam caiu de lado, enrolando-se a fim de se proteger dos pontapés. Quase não os sentia, através de toda a sua lã, couro e cota de malha, mesmo assim doíam.
– Se levar a tocha, eu posso levar o gordo.
De repente foi atirado ao ar frio, para longe de sua querida neve macia; estava flutuando. Havia um braço debaixo de seus joelhos, e outro sob as suas costas. Sam ergueu a cabeça e piscou os olhos. Um rosto pairou perto do seu, um rosto largo e bruto, com um nariz achatado, pequenos olhos escuros e um matagal de rija barba castanha. Já tinha visto aquele rosto, mas precisou de um momento para se lembrar dele.
– Consegue carregá-lo? – ouviu Grenn perguntar.
– Uma vez carreguei um bezerro que era mais pesado do que ele. Levei-o até a mãe, para que ele pudesse beber leite.
A cabeça de Sam balançava para cima e para baixo a cada passo que Paul Pequeno dava.
– Pare – murmurou –, me ponha no chão, não sou um bebê. Sou um homem da Patrulha da Noite. – Soluçou. – Apenas deixe-me morrer.
– Fique quieto, Sam – disse Grenn. – Poupe suas forças. Pense em suas irmãs e em seu irmão. No Meistre Aemon. Em seus pratos preferidos. Cante uma canção, se quiser.
– Em voz alta?
– Na cabeça.
Sam conhecia uma centena de canções, mas quando tentou se lembrar de uma, não foi capaz. Todas as palavras tinham fugido de sua mente. Voltou a soluçar e disse:
– Não sei nenhuma canção, Grenn. Antes sabia algumas, mas agora não sei.
– Sabe, sim – disse Grenn. – Que tal “O urso e a bela donzela”? Todo mundo conhece essa.
– Não, essa não – suplicou Sam. O urso que tinha subido ao Punho já não tinha pelo em sua carne apodrecida. Não queria pensar em ursos. – Canções, não. Por favor, Grenn.
– Então pense em seus corvos.
– Nunca foram meus. –
Paul Pequeno franziu a testa.
– Chett disse que eu podia ficar com o corvo do Velho Urso, aquele que fala. Guardei comida para ele e tudo. – Balançou a cabeça. – Mas esqueci. Deixei a comida onde a escondi. – Continuou a avançar pesadamente, com o hálito branco saindo de sua boca a cada passo, e então disse, de repente: – Posso ficar com um dos seus corvos? Só um. Prometo que não deixo que Lark o coma.
– Eles foram embora – disse Sam. – Lamento. –
Samwell tinha libertado as aves quando ouviu os berrantes de guerra soar uma vez mais, ordenando à Patrulha que montasse nos cavalos.
– Não – ele gritou então –, oh não, oh não. – A neve caía e os berrantes soavam;
Depois disso... lembrava-se de ver os mortos saltando as pedras com flechas espetadas nos rostos e nas gargantas. Alguns estavam cobertos por cotas de malha, e outros vinham quase nus... selvagens, a maior parte, mas alguns usavam panos negros desbotados. Lembrava-se de ver um dos homens da Torre Sombria espetando a lança na barriga pálida e macia de uma das criaturas, fazendo-a sair pelas costas, e do modo como a coisa se empurrou, cambaleando pelo cabo da lança acima, estendendo as mãos negras e torcendo a cabeça do irmão até lhe fazer sair sangue da boca. Tinha quase certeza de que foi nesse momento que sua bexiga se soltou pela primeira vez.