Um cavalo passou perto de sua cabeça, um animal felpudo e cinzento com neve na crina e cascos com uma crosta de gelo. Sam viu-o chegar e viu-o partir. Outro saiu da neve que caía, com um homem de negro conduzindo-o a pé. Quando viu Sam em seu caminho, xingou-o e desviou com o cavalo. Gostaria de ter um cavalo, pensou. Se tivesse um, poderia continuar. Poderia me sentar, e até dormir um pouco na sela. Mas a maior parte das montarias tinha sido perdida no Punho, e aquelas que restavam transportavam a comida, os archotes e os feridos. Sam não estava ferido. Só sou gordo e fraco e o maior covarde dos Sete Reinos.
Era tão covarde. Lorde Randyll, seu pai, sempre dizia isso, e tinha razão. Sam era seu herdeiro, mas nunca mostrara valor, então o pai enviou-o para a Muralha. O irmão mais novo, Dickon, herdaria as terras e o castelo dos Tarly, e a espada Veneno do Coração, que os senhores de Monte Chifre usavam com tanto orgulho havia séculos. Gostaria de saber se Dickon derramaria alguma lágrima pelo irmão que morreu na neve, em algum lugar para lá do limite do mundo. Por que haveria de derramar? Não vale a pena chorar por um covarde. Tinha ouvido o pai dizer exatamente isso à mãe meia centena de vezes. O Velho Urso também sabia disso.
– Disparar flechas – rugiu o Senhor Comandante naquela noite no Punho, quando surgiu, de repente, montado em seu cavalo –, deem-lhes fogo. – Foi então que reparou em Sam ali, tremendo. – Tarly! Saia daqui! Seu lugar é com os corvos.
– Eu... eu... eu enviei as mensagens.
– Bom. – Empoleirado no ombro de Mormont, seu corvo ecoou: “Bom, bom”. O Senhor Comandante parecia enorme com as peles e a cota de malha. Por trás do visor de ferro negro, os olhos brilhavam ferozes. – Aqui você está no caminho. Volte para as suas gaiolas. Se precisar enviar outra mensagem, não quero ter que procurá-lo primeiro. Trate de ter as aves prontas. – Ele não esperou resposta, deu meia-volta com o cavalo e trotou em torno do anel, gritando: – Fogo! Deem-lhes fogo!
Sam não precisou que lhe dissessem aquilo duas vezes. Voltou para junto das aves, tão depressa quanto suas pernas gordas lhe permitiram. Devia escrever a mensagem com antecedência, pensou, para poder mandar as aves tão depressa quanto necessário. Demorou mais tempo do que deveria para acender a pequena fogueira e aquecer a tinta congelada. Sentou-se numa pedra, junto do fogo, com pena e pergaminho nas mãos, e escreveu suas mensagens.
Atacados entre a neve e o frio, mas repelimo-los com flechas incendiárias, escreveu, enquanto ouvia a voz de Thoren Smallwood ressoar com uma ordem de “Encaixar, puxar... soltar”. O voo das flechas fazia um som doce como uma prece de mãe.
– Queimem, seus bastardos mortos, queimem – cantarolou Dywen, entre risos.
Os irmãos davam vivas e xingavam. Todos em segurança, escreveu. Permanecemos no Punho dos Primeiros Homens. Sam esperava que os outros fossem melhores arqueiros do que ele.
Deixou esse bilhete de lado e pegou outro pergaminho em branco. Ainda lutando no Punho, numa nevasca pesada, escrevia, quando alguém gritou:
– Continuam a vir. – Resultado incerto. – Lanças – disse alguém. Podia ter sido Sor Mallador, mas Sam não poderia jurar.
Criaturas atacaram-nos no Punho, no meio da neve, escreveu, mas as repelimos com fogo. Virou a cabeça. Através da neve que enchia o ar, tudo o que via era a enorme fogueira no centro do acampamento, com homens a cavalo que se moviam, inquietos, à sua volta. Sabia que era a reserva, pronta para abater qualquer coisa que conseguisse abrir uma brecha na muralha anelar. Tinham se armado de tochas em vez de espadas, e as estavam acendendo nas chamas.