Essa era a sua última recordação coerente do Punho dos Primeiros Homens. Mais tarde, horas mais tarde, deu por si tremendo entre os outros sobreviventes, metade montada, metade a pé. Encontravam-se já a quilômetros do Punho, embora Sam não se lembrasse de como isso tinha acontecido. Dywen trouxe para baixo cinco cavalos de carga, bem carregados de comida, óleo e archotes, e três tinham chegado ali. O Velho Urso fez com que redistribuísse as cargas, para que a perda de qualquer um dos cavalos e de suas provisões não fosse uma catástrofe muito grande. Tirou garranos dos homens saudáveis e deu-os aos feridos, organizou os caminhantes e colocou archotes para defender os flancos e a retaguarda.
Via que agora também estavam ficando para trás. Lembrou-se de Pyp contar, certa vez, como Paul Pequeno era o homem mais forte da Patrulha.
– Está ficando para trás – disse-lhes um deles.
O seguinte concordou.
– Ninguém vai esperar por você, Paul. Deixe o porco para os mortos.
– Ele prometeu que eu podia ficar com um pássaro – disse Paul Pequeno, embora Sam não o tivesse feito, não exatamente.
– Maldito idiota – disse o homem do archote. E depois desapareceu.
Passou-se algum tempo antes de Grenn parar de repente.
– Estamos sozinhos – disse ele numa voz rouca. – Não consigo ver os outros archotes. Aquilo era a guarda de retaguarda?
Paul Pequeno não tinha uma resposta para lhe dar. O grandalhão soltou um grunhido e ajoelhou-se. Seus braços tremiam quando pousou cuidadosamente Sam na neve.
– Não posso levá-lo mais. Queria, mas não posso. – Tremeu com violência.
O vento suspirava por entre as árvores, atirando uma neve fina no rosto deles. O frio era tanto que Sam se sentia nu. Procurou os outros archotes, mas tinham desaparecido, todos eles. Só havia aquele que Grenn transportava, com chamas erguendo-se como sedas de um laranja-claro. Conseguia ver a escuridão através delas.
Mas enganava-se. Não estavam nada sozinhos.
Os galhos mais baixos da grande sentinela verde largaram a sua carga de neve com um
– Quem está aí? – uma cabeça de cavalo emergiu da escuridão. Sam sentiu um momento de alívio, até ver o cavalo. A geada cobria-o como uma película de suor congelado, e um emaranhado de entranhas rígidas e negras saía de sua barriga aberta. Sobre o dorso, trazia um cavaleiro branco como gelo. Sam soltou um som lamentoso vindo do fundo da garganta. Estava tão assustado que poderia ter se urinado mais uma vez, mas tinha o frio dentro de si, um frio tão violento que parecia que a bexiga havia congelado. O Outro deslizou graciosamente da sela e ficou em pé na neve. Era magro como uma espada, e de um branco leitoso. Sua armadura ondulava e transformava-se quando ele se movia, e seus pés não quebravam a crosta de neve recém-caída.
Paul Pequeno desprendeu o machado de cabo longo que trazia preso às costas.
– Por que fez mal a esse cavalo? Era o cavalo de Mawney.
Sam tateou em busca do cabo de sua espada, mas a bainha estava vazia. Lembrou-se tarde demais que a perdera no Punho.
– Vá embora! – Grenn deu um passo, estendendo o archote à sua frente. –
A espada do Outro cintilou com uma tênue incandescência azul. Moveu-se na direção de Grenn, rápida como um relâmpago, golpeando. Quando a lâmina de um azul gelado roçou as chamas, um grito agudo apunhalou os ouvidos de Sam, afiado como uma agulha. A ponta do archote caiu de lado e desapareceu sob um grande monte de neve, com o fogo extinto num instante. E tudo o que restou na mão de Grenn foi um pequeno pedaço de madeira. Atirou-o no Outro, praguejando, no momento em que Paul Pequeno avançava com seu machado.
O medo que então dominou Sam foi pior do que qualquer medo que já sentira, e Samwell Tarly conhecia todos os tipos de medo.
– Mãe, tenha piedade de mim – chorou, esquecendo os deuses antigos em seu terror. – Pai, proteja-me, oh, oh... – Os dedos encontraram o punhal e Sam encheu a mão com ele.