Se tivesse uma moeda por cada vez que um ciclista quase me abalroou na ciclovia quando atravesso uma rua, não teria de trabalhar para os Garrick. Quando vou a atravessar a rua para chegar ao prédio de apartamentos dos Garrick, um ciclista sem capacete e de telemóvel ao ouvido passa a milímetros de me mandar para o hospital. Por que são sempre os ciclistas que vão ao telemóvel que também não usam capacete? É tipo
uma regra.
Mesmo antes de chegar à entrada do prédio, o meu telemóvel toca dentro da bolsa. Hesito, pensando em deixá-lo ir para o correio de voz. Em seguida, remexo na minha bolsa e tiro-o.
O nome do Brock surge no ecrã. Agora, sinto-me ainda mais tentada a deixá-lo ir para o correio de voz. Não quero ter mais outra conversa sobre o porquê de não me poder mudar para sua casa. Ou, como gosta de dizer, de não me querer mudar para sua casa.
Finalmente, suspiro e primo o botão verde no meu telemóvel para atender a chamada.
– Olá – digo.
– Olá, Millie – responde. – Apetece-te jantar comigo esta noite?
– Provavelmente vou ficar até tarde em casa dos Garrick esta noite – digo-lhe, o que não é inteiramente mentira.
– Oh!
Pergunto-me quantos convites para jantar terei de recusar antes de parar de perguntar. E não quero isso. Gosto muito do Brock, embora possa não o amar ainda. Não o quero perder.
– Escuta – digo. – O Douglas vai ausentar-se por uns dias a começar amanhã, por isso não precisam de mim para cozinhar. E se jantássemos amanhã à noite?
– Está bem. – A sua voz soa um pouco estranha. – Além disso, quando estivermos a jantar, acho que precisamos de ter uma conversa.
Solto um riso estrangulado.
– Isso não parece bom.
– Eu só... – oiço-o pigarrear. – Gosto muito de ti, Millie. Precisamos apenas de discutir em que posição estou.
– Estás muito bem.
– Estou mesmo?
Não sei o que dizer. Mas tem razão. Eu e o Brock precisamos mesmo de ter uma conversa. O mais cedo possível. Tenho de lhe confessar a verdade sobre tudo no meu passado, e então poderá decidir se quer avançar. Gostaria de pensar que é uma pessoa suficientemente decente para não se deixar afugentar por uma década na prisão, mas não paro de imaginar a expressão no seu rosto quando lhe contar. E não é de felicidade.
– Tudo bem – digo. – Podemos ter uma conversa.
– Encontramo-nos no meu apartamento às sete?
– Claro.
Faz-se uma pausa do outro lado da linha e quase receio que me vá dizer de novo que me ama, mas em vez disso despede-se.
– Até amanhã.
Depois de desligarmos, fico por um momento a olhar para o ecrã do meu telemóvel. E se eu lhe ligasse de volta e lhe contasse tudo agora mesmo? Arrancar simplesmente o penso rápido. E, então, não teria de esperar e de carregar esta sensação de mal-estar no meu estômago durante mais um dia.
Não, não posso fazer isso. Terá de ser amanhã.
Continuo a dirigir-me ao prédio, com um peso na boca do estômago. O porteiro apressa-se a abrir-me a porta e, ao fazê-lo, pisca-me o olho.
Parece-me um pouco estranho. O homem tem pelo menos mais trinta anos do que eu. Estará a tentar fazer-se a mim? Por um momento, tento recordar se já antes o vi piscar-me o olho, mas depois afasto-o do pensamento. Um porteiro tarado é o menor dos meus problemas.
Quando, com um rangido, as engrenagens param no vigésimo andar e as portas se abrem para a penthouse, quase dou um salto. Em todas as vezes que aqui vim nos últimos meses, isto é algo que nunca antes vi. E é o suficiente para me fazer ficar de queixo caído.
A Wendy está de pé em frente à porta do elevador da penthouse – saiu do quarto. E fita-me com os seus grandes olhos verdes.
– Precisamos de falar – diz.
25
Agarrando-me pelo braço, Wendy puxa-me para o sofá. Apesar da sua magreza, é forte. De alguma forma, não me surpreende por completo.
Sento-me no sofá e ela ao meu lado, alisando a camisa de noite sobre os joelhos ossudos. Os hematomas no seu rosto parecem muito melhores, mas os seus olhos estão tão raiados de sangue como da última vez que a vi.
– Disse que estava disposta a ajudar-me – começa. – Estava a falar a sério?
– É claro que estava a falar a sério!
O mais ligeiro dos sorrisos aflora-lhe aos lábios. Percebo então que Wendy é muito bonita. Entre o aspeto enfraquecido do seu corpo e os seus hematomas, não tinha reparado antes.
– Segui o seu conselho.
– O meu conselho?
– Depois de partir – diz –, pensei em matar-me.
Inspiro bruscamente.
– Não foi esse o conselho que eu lhe dei.
– Eu sei – responde rapidamente. – Mas parecia tudo tão irremediável. Quando convenci o Douglas a contratá-la, pareceu-me que era o meu último salva-vidas para sair desta situação terrível. E, quando a mandei embora, foi como se não houvesse hipótese de alguma vez lhe escapar. Por isso, fui para a casa de banho e pensei em cortar os pulsos.
– Oh, meu Deus, Wendy...