– Por que disse ao Douglas para me ligar, Wendy? – pergunto. – Preciso que me diga a verdadeira razão – acrescento, ao vê-la começar a abrir a boca.
Continua a recusar-se a olhar para mim, olhando antes fixamente para a alcatifa.
– Acho que sabe porquê.
Um repique surdo ecoa ao fundo da minha cabeça. Mal aqui entrei, suspeitei que havia algo de estranho nesta casa. Sempre que tentava aproximar-me de Wendy, contudo, ela não parecia interessada em falar comigo.
– Parti o pulso – diz com amargura. – Ele empurrou-me e partiu, mas, quando fui ao médico, recusou-se a sair da sala. Tive de lhes dizer que escorreguei no gelo e caí. Foi a única razão para me ter deixado arranjar alguma ajuda para a casa. De outro modo, nunca deixa ninguém entrar aqui.
Cerro os punhos.
– Por que não disse nada?
– Porque foi uma ideia estúpida trazê-la aqui. – Os seus olhos raiados de sangue enchem-se de lágrimas. – Estava desesperada, mas soube assim que a vi que não podia ir avante com isto. Não conhece o Douglas. Não sabe como ele é. Fugir não é uma opção.
– Está enganada – digo.
Atira a cabeça para trás e solta uma risada eivada de ácido.
– Não faz ideia do que está a dizer. O Douglas está em toda a parte. Vê tudo.
Penso em todas as vezes na rua em que senti que alguém me observava.
– Está a ver-nos agora? Está a ouvir esta conversa?
– Eu... não sei. – Os seus olhos dardejam pelo corredor. – Não consegui encontrar nenhuma câmara na casa, mas isso não quer dizer que não existam. O Douglas tem acesso a tecnologia que não podemos imaginar. É um génio, sabe? – Desta vez, o seu riso é triste. – Costumava achar isso atraente nele.
– Não deixa de valer a pena tentar.
As suas maçãs do rosto pisadas coram ligeiramente.
– Não compreende. Ele gastaria até ao último cêntimo que tem para me localizar.
Está certa – e Douglas tem muitos cêntimos para gastar. Com um marido assim, seria difícil escapar – não faço realmente ideia do que é capaz. E não sei se posso ajudá-la. Sobretudo porque não tenho os recursos que o Enzo tinha... não conheço um «tipo» para tudo. Foi por isso que jurei deixar esta vida e concentrar-me em tirar a minha licenciatura, para poder ajudar mulheres de uma forma que não envolvesse vergar a lei. Mas cada molécula no meu corpo grita que tenho de tentar ajudar esta mulher – agora.
Jamais ignoraria um homem no metro que precisasse de ajuda. Ou uma mulher que estivesse a ser esfaqueada até à morte junto à minha janela. Não posso deixar que isto aconteça debaixo do meu nariz.
– Tem algum dinheiro? – pergunto. – Em numerário, quero eu dizer?
Hesitantemente, anui.
– Tenho andado a vender aos poucos algumas das minhas joias. Tenho tantas... Sempre que me bate, compra-me algo novo e caro. Tenho algum dinheiro escondido num sítio onde não creio que o vá encontrar. Não durará muito, mas talvez o suficiente.
A minha mente não para.
– Tem alguns amigos que a possam ajudar? Amigos que talvez não conheça? Do secundário ou da universidade ou...?
– Por favor, pare – crocita. – Não parece entender o que estou a tentar dizer-lhe. O Douglas é extremamente perigoso. Não pode subestimar este homem. Se tentar ajudar-me, não vai resultar e... vai arrepender-se. Acredite.
– Mas, Wendy...
– Não posso fazê-lo, está bem!
Olha para a pulseira no seu braço esquerdo – lembro-me de como o Douglas estava orgulhoso quando a exibiu. Com uma expressão desvairada nos olhos, ela atrapalha-se com o fecho até a fazer deslizar do seu pulso esguio.
– Odeio os presentes que me dá. – A sua voz escorre veneno. – Mal os consigo olhar, mas ele espera que os use.
Aperta a pulseira no punho, estendendo depois a mão para agarrar a minha. Enfia-me a pulseira na palma.
– Tire isto da minha vista. Já nem a posso ver. Se perguntar, digo... digo-lhe que a perdi.
Abro a mão para olhar para a pequena pulseira. Pergunto-me se estará manchada com o seu sangue.
– Não posso aceitar isto, Wendy.
– Então deite-a fora – cospe. – Não a quero mais em minha casa. Especialmente depois do que escreveu nela.
Aproximo a pulseira do rosto para examinar a inscrição. Leio as letras minúsculas:
– Sua para sempre – diz amargamente Wendy. – Sua propriedade.
A mensagem é inequívoca.
– Por favor, deixe-me ajudá-la. – Agarro-lhe no pulso, esquecendo-me que pode ser o partido. Ela estremece e eu solto-a. – Faço o que for preciso. Não tenho medo do seu marido. Podemos arranjar uma maneira de sair disto.
E, então, vejo-o nos seus olhos. Um lampejo de hesitação. De esperança. Dura apenas uma fração de segundo, mas está lá. Esta mulher está desesperada.
– Não – diz com firmeza. – E agora tem de ir.
Antes que eu consiga dizer mais uma palavra, fecha-me a porta na cara.
Wendy Garrick está absolutamente aterrorizada com o marido – e também eu tenho medo do homem. Mas, ao fim de todos estes anos, aprendi a não me deixar controlar pelo medo. Derrubei Xavier. Derrubei homens tão poderosos quanto Douglas. Não me interessa o que Wendy diz. Posso lidar com ele.
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