Esta noite, chego ao apartamento com uma braçada de roupa vinda da limpeza a seco. Toda de Douglas Garrick. Fui buscar quatro fatos, todos provavelmente com um preço superior ao que eu ganho num ano. Se fosse desonesta e tentasse vendê-los por minha conta, provavelmente faria um belo montante. Mas não vale a pena. Já tenho pavor de Douglas, e a última coisa que quero é fazê-lo zangar-se comigo.
Ainda que o que estou prestes a fazer hoje possa muito bem servir esse propósito.
Quando chego à sala de estar, com a roupa pendurada do braço, a casa está em silêncio. Wendy está provavelmente no andar de cima e Douglas presumivelmente a trabalhar até tarde – ou com a amante. Levo a roupa para o andar de cima, o bater dos meus ténis contra cada degrau a ecoar por todo o apartamento. Já limpei casas muito maiores do que esta, mas nunca estive numa que parecesse ter ecos tão altos. Pergunto-me se estará relacionado com a idade do edifício.
Não me surpreende que a porta do quarto de hóspedes esteja fechada. Agarro na roupa limpa e levo-a para o quarto principal. Penduro os fatos de Douglas, mas a minha mente está na mulher fechada no quarto de hóspedes. Estou decidida a falar com ela hoje.
Assim que acabo de arrumar os fatos, esgueiro-me pelo corredor até ao quarto de hóspedes.
Por alguma razão, as luzes do corredor não acendem. Perguntei a Douglas por isso uma vez e respondeu-me que era algum tipo de problema elétrico. Resmungou qualquer coisa sobre mandá-lo arranjar, mas as luzes têm estado sempre sem funcionar desde que comecei a trabalhar aqui. Somando à arquitetura tão antiga, a falta de luzes no andar de cima dá-lhe um ambiente arrepiante.
Paro em frente ao quarto de hóspedes. A alcatifa sob os meus pés está limpa – limpei todo o sangue da casa de banho e tirei as nódoas da alcatifa utilizando água oxigenada. Não há qualquer sinal do sangue de Wendy alguma vez ter gotejado sobre ela. E Douglas não sabe que eu sei.
Ergo a mão, prestes a bater à porta, e um calafrio percorre-me. Não posso deixar de me lembrar do aviso de Wendy da última vez que falámos:
Se sabe o que é bom para si, tem de fechar esta porta e sair daqui.
Engulo as minhas dúvidas. Não, eu nunca me afasto. Com determinação renovada, bato com o punho na porta.
Estou totalmente preparada para lhe implorar de novo que abra, mas desta vez oiço passos atrás da porta. Passado um momento, a porta entreabre-se. Mais uma vez, fito o rosto maltratado de Wendy, embora seja certo que parece melhor do que há alguns dias.
– O que foi? – Há um tom de resignação na sua voz. –Estava a tentar dormir.
Os meus olhos descem para a sua camisa de noite amarelo-clara, que felizmente não parece ter sangue desta vez.
– É uma camisa de noite bonita. Eu durmo sempre simplesmente com a minha T-shirt dos Mets.
Ela cruza os braços sobre o peito.
– Foi para me dizer isso que me acordou?
– Não... não foi. Na verdade, preciso de lhe fazer uma pergunta.
Wendy muda o seu peso de um chinelo para o outro.
Não tinha percebido até agora o quão magra está. A mulher está flagrantemente emaciada. Suponho que possa ser devido à sua doença, mas não sei se alguma vez tinha visto uma mulher tão magra. As suas clavículas projetam-se dolorosamente e, quando puxa a camisa de noite, consigo distinguir cada osso na sua mão raiada por veias azuis. Os seus olhos parecem enormes no seu rosto magro.
– O que quer?
– Quero saber como obteve o meu número.
Começa a brincar com uma madeixa do seu cabelo acobreado e eu reconheço a pulseira que lhe pende do braço. É a mesma que Douglas lhe ofereceu recentemente.
– Como assim?
– Douglas disse-me que lhe deu o meu número para me ligar por causa das limpezas. Mas como o conseguiu?
– Pôs um anúncio, não foi? Deve ter sido assim que obtive o número. – Solta um longo suspiro. – Agora, se não se importa, vou voltar para a cama. Foi um longo dia.
– Na verdade, descobri que o anúncio nunca foi publicado. Portanto, como disse, como conseguiu o meu número?
Quase consigo ver as engrenagens a rodar no cérebro de Wendy.
– Diga-me a verdade – interrompo, antes que possa congeminar outra mentira.
Wendy baixa os olhos.
– Por favor. Não quero fazer isto. Simplesmente esqueça.
– Diga-me – insisto, por entre dentes cerrados.
– Por que nunca faz o que eu lhe peço? – exclama, erguendo as mãos. – Muito bem. Obtive o seu número da Ginger Howell.
E, agora, sinto-me como se alguém tivesse acabado de me dar um murro. Sei quem é a Ginger Howell, mas não a vejo há anos. Dois anos, para ser mais exata. Foi uma das últimas mulheres para quem trabalhei antes de o Enzo partir para Itália. Arranjámos-lhe um advogado disposto a trabalhar numa base de contingência para a ajudar a divorciar-se do monstro do marido. Ele lutou com unhas e dentes, e estávamos à beira de lhe tentar arranjar um passaporte e uma identidade novos, mas acabou por a deixar ir.
Espero que esteja bem. A Ginger parecia boa pessoa. Não merecia o que o marido lhe andava a fazer.
Mas se Wendy soube de mim pela Ginger, então...