– Bem... – digo. – Ele tinha um estojo de violino com dinheiro no interior. As pessoas partiram do princípio de que procurava ajuda na forma de dinheiro. E, como não queriam ajudá-lo, ignoraram-no. Sentiam que se parassem tinham de ajudar.
– Ah! – concorda. – Não diz muito de bom sobre o género humano, então, se ninguém estava disposto a apreciar uma bela música porque significava ter possivelmente de ajudar alguém necessitado.
O professor continua a olhar para mim, por isso sinto que tenho de dizer algo.
– Pelo menos cinquenta pessoas pararam. Já é alguma coisa.
– Bem verdade – concorda. – É realmente alguma coisa.
Eu teria ajudado, ainda assim. Ajudo sempre. Nunca me consigo afastar, nunca, nem mesmo quando devia.
Depois de a palestra acabar, quando vou a sair do edifício, avisto um rosto familiar a descer a rua. Fico um pouco surpreendida ao constatar que é Amber Degraw, a mulher que me despediu quando a sua filha bebé não parava de me chamar mamã. Não é tanto por a ver que estou surpreendida, mas por a ver a empurrar um carrinho com a pequena Olive, que brinca com uma espécie de roca que traz enfiada o mais possível dentro da boca. Tem os dedos viscosos de baba.
Quando trabalhava para Amber, nunca parecia interessada em levar a Olive a passear. Portanto isto é bom para ambas.
Pondero virar a esquina para evitar um encontro confrangedor, mas então a Amber vê-me e ergue a mão num cumprimento entusiástico. Aparentemente, esqueceu-se por completo da forma como me despediu.
– Millie! – chama. – Meu Deus, que maravilhoso vê-la!
A sério? Não foi isso que disse da última vez que nos vimos.
– Olá, Amber – respondo, já resignada a fazer educadamente conversa.
Parando ao meu lado, solta a pega do carrinho durante tempo suficiente para alisar o seu lustroso cabelo louro-arruivado. Hoje, Amber está inteiramente voltada para o cabedal. Veste umas calças de couro, enfiadas numas botas de cabedal pelo joelho, com uma suave gabardina em couro castanho.
– Como está? – inclina a cabeça para o lado como se eu fosse uma amiga casual que foi atingida por alguns azares, e não alguém que despediu. – Tudo bem?
– Claro – respondo por entre dentes cerrados. – Tudo ótimo.
– Onde trabalha agora?
Sinto-me relutante em dizer-lhe seja o que for sobre a minha posição atual. Já me despediu pela mais estúpida das razões – não há nada, a meu ver, de que esta mulher não seja capaz.
– Estou entre empregos.
– Vi-a na rua no outro dia – comenta. – la a entrar naquele velho edifício da Rua 86. O Douglas Garrick vive lá, não é verdade?
Paraliso, surpreendida por ter conhecimento dessa informação. Por outro lado, nos círculos dos ricos, toda a
gente parece conhecer toda a gente.
– Sim, trabalho para os Garrick agora.
– Oh, era isso que estava lá a fazer?
O sorriso que curva os lábios da Amber faz-me sentir inquieta. O que está a sugerir ao certo?
– Sim...
Pisca-me o olho.
– De certeza que está a aproveitar ao máximo.
Não me agrada o seu tom, mas lembro a mim mesma que não tenho de ficar aqui a conversar com Amber – um dos benefícios de já não estar ao seu serviço. Tenho, ainda assim, de dizer olá à pequena Olive, cujo queixo brilha de baba. Há algum tempo que não a vejo e os bebés podem mudar muito depressa nesta idade. Provavelmente, já mal me reconhece.
– Olá, Olive! – chilreio.
Olive tira a roca da garganta e ergue os seus enormes olhos azuis para me fitar.
– Mamã! – grita com regozijo.
A cor esvai-se do rosto da Amber.
– Não! Ela não é a tua mamã! Eu é que sou!
– Mamã! – A Olive estende os seus braços gorduchos para mim. – Mamã!
Quando eu não a tomo nos braços, a menina começa a soluçar. Amber lança-me um olhar venenoso.
– Veja como a perturbou!
Com essa observação, vira-me costas e começa a descer aceleradamente a rua para se afastar de mim, enquanto a Olive continua a gritar «Mamã!». Apesar de tudo, o encontro pôs-me um sorriso no rosto. Parece que afinal se lembrava de mim.
Enquanto vejo a Amber desaparecer ao longe, o meu telemóvel começa a tocar – instantaneamente, o meu bom humor evapora-se. É provavelmente uma de duas pessoas. Ou Douglas, a dizer-me que estou despedida por lhe importunar a mulher, ou o Brock, o que seria ainda pior.
As coisas têm estado decididamente frias entre mim e o meu namorado desde que lhe disse abruptamente que não queria ir viver com ele. Expliquei-lhe repetidas vezes que preciso do meu próprio espaço e que me sinto mais segura agora que o Xavier vai passar os próximos tempos encarcerado, mas continua a não compreender. Tenho um mau pressentimento de que teremos de dar um passo em frente na nossa relação muito, muito em breve, ou então irá terminar.
Só que, quando olho para o meu telemóvel, não é Douglas ou o Brock. É um número que não reconheço.
– Estou? – digo.
– Fala a Wilhelmina Calloway?
Hesito, perguntando-me se a voz do outro lado da linha me vai dizer que a garantia do meu carro está prestes a expirar, ou então lançar-se numa torrente de alguma língua estrangeira.
– Sim...
– Olá! Daqui fala a Lisa, do jobmatch!