Jon manteve o rosto imóvel como gelo.
... berrante.
Jon prendeu a respiração.
– Sim – disse Mance. – O Berrante do Inverno, que Joramun soprou um dia para despertar os gigantes da terra.
O berrante era enorme, com dois metros e quarenta ao longo da curvatura e tão largo na boca que podia ter enfiado o braço lá dentro até o cotovelo.
– Ygritte disse que não chegou a encontrar o berrante.
– Pensa que só os corvos sabem mentir? Eu gostei bastante de você, para um bastardo... mas nunca confiei em você. Um homem tem de ganhar a minha confiança.
Jon encarou-o.
– Se tinha o Berrante de Joramun desde o início, por que não o usou? Para que se incomodar com a construção de tartarugas e com o envio de Thenns para nos matar enquanto dormíamos? Se esse berrante for tudo que as canções dizem que é, por que não simplesmente soprá-lo e pronto?
Foi Dalla quem lhe respondeu, a Dalla da enorme barriga, deitada em sua pilha de peles ao lado do braseiro.
– Nós, o povo livre, sabemos coisas que vocês, os que ajoelham, já esqueceram. Às vezes, a estrada mais curta não é a mais segura, Jon Snow. O Senhor Chifrudo disse um dia que a feitiçaria é uma espada sem cabo. Não há maneira segura de pegar nela.
Mance percorreu com uma mão a curvatura do grande berrante.
– Ninguém vai à caça só com uma flecha na aljava – disse. – Tive a esperança de que Styr e Jarl pegassem seus irmãos desprevenidos e nos abrissem o portão. Afastei a sua guarnição com simulações, incursões e ataques secundários. Bowen Marsh engoliu essa isca, como eu sabia que engoliria, mas seu bando de órfãos e aleijados mostrou-se mais teimoso do que eu esperava. Mas não pense que nos deteve. A verdade é que vocês são poucos demais e nós, muitos. Podia continuar com o ataque aqui e ainda mandar dez mil homens atravessar a Baía das Focas em jangadas e tomar Atalaialeste pela retaguarda. Também podia assaltar a Torre Sombria, conheço tão bem os acessos como qualquer outro homem vivo. Podia mandar homens e mamutes escavar os portões dos castelos que abandonaram, todos ao mesmo tempo.
– Então por que não faz isso? – Jon podia ter puxado Garralonga naquele momento, mas queria ouvir o que o selvagem tinha a dizer.
– Sangue – disse Mance Rayder. – No fim venceria, sim, mas vocês iriam me sangrar, e o meu povo já sangrou o suficiente.
– Suas perdas não foram assim tão pesadas.
– Pelas suas mãos, não. – Mance estudou o rosto de Jon. – Viu o Punho dos Primeiros Homens. Sabe o que aconteceu ali. Sabe o que enfrentamos.
– Os Outros...
– Eles ficam mais fortes à medida que os dias se tornam mais curtos e as noites mais frias. Primeiro matam-no, depois mandam seus mortos contra você. Os gigantes não foram capazes de lhes resistir, nem os Thenns, os clãs do rio de gelo ou os Cornopés.
– Nem você?
– Nem eu. – Havia ira naquela admissão, e uma amargura profunda demais para ser expressa por palavras. – Raymun Barba-Vermelha, Bael, o Bardo, Gendel e Gorne, o Senhor Chifrudo, todos eles vieram para o sul para conquistar, mas eu vim com o rabo entre as pernas para me esconder atrás da sua Muralha. – Voltou a encostar no berrante. – Se fizer soar o Berrante do Inverno, a Muralha cairá. Pelo menos é o que as canções me querem fazer crer. Há alguns entre o meu povo que não desejam nada com mais força...
– Mas depois que a Muralha cair – disse Dalla –,
Mance concedeu-lhe um sorriso afetuoso.
– É uma mulher sensata, esta que encontrei. Uma verdadeira rainha. – Voltou-se de novo para Jon. – Volte e diga-lhes para abrirem o portão e deixarem-nos passar. Se o fizerem, darei o berrante, e a Muralha ficará em pé até o fim dos tempos.