– Os deuses não fazem nada sem um objetivo, segundo dizem. Não morreu em batalha, portanto isso deve querer dizer que ainda tem uma utilidade qualquer para eles. Mas para mim, não. Não o quero perto de mim. Está banido, sor. Volte para junto dos seus chefes em Porto Real e receba o seu perdão, se puder. Ou vá para Astapor. O rei carniceiro irá sem dúvida precisar de cavaleiros.
– Não. – Ele estendeu a mão para ela. – Daenerys, por favor, escute-me...
Ela afastou a mão dele com um tapa.
– Nunca tenha a ousadia de voltar a tocar em mim ou proferir o meu nome. Tem até a alvorada para juntar as suas coisas e abandonar esta cidade. Se for encontrado em Meereen após o raiar do dia, ordenarei a Belwas, o Forte, que arranque sua cabeça. E farei isso. Acredite no que lhe digo. – Virou as costas para ele, fazendo rodopiar as saias.
– A rainha tem bom coração – ronronou Daario através de sua barba de um roxo profundo –, mas aquele homem é mais perigoso do que todos os Oznaks e Meros combinados num só. – As fortes mãos do mercenário acariciaram o cabo de suas armas idênticas, aquelas sensuais mulheres douradas. – Nem precisa dizer uma palavra, meu esplendor. Faça apenas o menor dos acenos, e o seu Daario trará à senhora a feia cabeça de Jorah.
– Deixe-o em paz. Os pratos da balança agora estão equilibrados. Deixe-o ir para casa. – Dany imaginou Jorah deslocando-se por entre velhos carvalhos nodosos e grandes pinheiros, passando por espinheiros em flor, pedras cinzentas barbadas de musgo e pequenos arroios correndo, gelados, por vertentes íngremes. Viu-o entrando num salão feito de enormes troncos de árvores, onde cães dormiam junto à lareira e o cheiro da carne e do hidromel pairava, pesado, no ar cheio de fumaça. – Por enquanto terminamos – disse aos seus capitães.
Foi com dificuldade que não subiu correndo as amplas escadas de mármore. Irri ajudou-a a despir o traje para audiências e a colocar vestes mais confortáveis; calções largos de lã, uma túnica solta de feltro, um colete pintado dothraki.
– Está tremendo,
– Tenho frio – mentiu Dany. – Traga-me o livro que eu estava lendo ontem à noite. – Desejava perder-se nas palavras, em outros tempos e outros lugares. O grosso volume encadernado em couro estava cheio de canções e histórias dos Sete Reinos. Histórias infantis, a bem da verdade; simples e fantasiosas demais para serem história verdadeira. Todos os heróis eram altos e bonitos, e podia-se identificar os traidores por seus olhos matreiros. Mas adorava-as mesmo assim. Na noite passada estivera lendo a história das três princesas na torre vermelha, trancadas pelo rei pelo crime de serem belas.
Quando a aia trouxe o livro, Dany não teve dificuldade em encontrar a página em que tinha parado, mas não valia a pena. Deu por si lendo a mesma passagem meia dúzia de vezes.