– O quê? – Jon quis saber.
– Bem que gostaria de saber – Qhorin respondeu. – Seu lobo viu aquelas escavações no vale do Guadeleite. O que procuravam eles, num lugar tão ermo e distante? Terão encontrado? É isso que tem de investigar, antes de voltar para junto de Lorde Mormont e de seus irmãos. É este o dever que deposito em você, Jon Snow.
– Farei como diz – disse Jon com relutância. – Mas… você vai lhes dizer, não é verdade? Pelo menos ao Velho Urso? Vai lhe dizer que nunca quebrei meus votos.
Qhorin Meia-Mão fitou-o por sobre o fogo, com os olhos perdidos em lagoas de sombras.
– Quando voltar a vê-lo. Juro – indicou a fogueira com um gesto. – Mais madeira. Quero-a luminosa e quente.
Jon foi cortar mais galhos, partindo cada um em dois antes de atirá-lo às chamas. A árvore estava morta havia muito tempo, mas parecia voltar à vida no fogo, despertando dançarinas ardentes em cada bocado de madeira que rodopiava e volteava em seus brilhantes vestidos em tons de amarelo, vermelho e laranja.
– Basta – Qhorin disse abruptamente. – Agora cavalgamos.
– Cavalgamos? – estava escuro para lá do fogo, e a noite estava fria. – Cavalgamos para onde?
– Para trás – Qhorin montou uma vez mais seu fatigado garrano. – A fogueira vai fazê-los passar por nós, espero eu. Venha, irmão.
Jon voltou a calçar as luvas e subiu o capuz. Até os cavalos pareciam relutantes em abandonar a fogueira. O sol tinha desaparecido havia muito, e só restava o frio brilho prateado da meia-lua para iluminar o caminho pelo terreno traiçoeiro que se estendia atrás deles. Não sabia o que Qhorin tinha em mente, mas talvez fosse uma chance. Esperava que sim.
Avançaram com cautela, deslocando-se tão silenciosamente como homens e cavalos eram capazes, voltando a seguir seus passos até chegarem à desembocadura de um estreito desfiladeiro onde um pequeno riacho gelado emergia entre duas montanhas. Jon lembrou-se do lugar. Tinham dado água aos cavalos ali antes de o sol se pôr.
– A água está congelando – Qhorin observou enquanto virava para o lado. – Se não fosse isso, seguiríamos pelo leito do riacho. Mas se quebrarmos o gelo, eles devem reparar. Mantenha-se perto dos penhascos. Meia milha adiante há uma curva que nos esconderá – o homem disse e entrou no desfiladeiro. Jon lançou um último olhar melancólico à fogueira distante e o seguiu.
Quanto mais avançavam, mais as escarpas se apertavam de ambos os lados. Seguiram o fio de água iluminado pelo luar na direção da nascente. Pingentes cobriam as margens pedregosas, mas Jon ainda ouvia o som da água corrente sob a fina crosta sólida.
Uma grande confusão de rochas caídas bloqueou o caminho deles a meia subida, onde uma seção do penhasco tinha tombado, mas os pequenos garranos de patas seguras foram capazes de escolher um percurso através dela. Adiante, as faces dos penhascos apertavam-se vivamente e o riacho os levou à base de uma alta e tortuosa queda d’água. O ar estava cheio de névoa, como se fosse o hálito de um imenso animal frio. As águas que caíam brilhavam, prateadas, ao luar. Jon olhou em volta, consternado.
– Agora, depressa – ordenou Meia-Mão. O grande homem montado no pequeno cavalo avançou por cima das pedras escorregadias de gelo, em direção à cortina de água, e desapareceu. Quando não reapareceu, Jon esporeou o cavalo e foi atrás dele. Seu garrano fez o possível para não avançar. A água que caía esbofeteou-os com punhos gelados, e o choque do frio pareceu interromper a respiração de Jon.
E então viu-se do outro lado; ensopado e tremendo, mas do outro lado.
A fenda na rocha quase não era suficiente para que homem e cavalo passassem, mas adiante as paredes abriam-se e o solo tornava-se arenoso. Jon sentiu a água congelando em sua barba. Fantasma irrompeu através da queda d’água numa pressa feroz, sacudiu gotículas do pelo, farejou desconfiadamente a escuridão, e depois ergueu uma pata contra uma parede de rocha. Qhorin já tinha desmontado. Jon fez o mesmo.
– Sabia que este lugar estava aqui?
– Quando não era mais velho do que você, ouvi um irmão contar como tinha seguido um gato-das-sombras através desta cascata – tirou a sela do cavalo, depois o freio e os arreios, e passou os dedos pela crina hirsuta. – Há um caminho através do coração da montanha. Quando chegar a alvorada, se eles não tiverem nos encontrado, avançamos. O primeiro turno é meu, irmão – Qhorin sentou-se na areia, de costas apoiadas na parede, não mais do que uma vaga forma negra na escuridão da gruta. Sobre o estrondo da água caindo, Jon ouviu o som suave do aço roçando em couro, que só podia querer dizer que Meia-Mão tinha desembainhado a espada.