Fantasma alimentou-se bem naquele dia, e Qhorin insistiu que os patrulheiros misturassem um pouco do sangue do garrano em seus mingaus de aveia para lhes dar forças. O sabor daquele horrível mingau quase sufocou Jon, mas forçou-se a engoli-lo. Cortaram uma dúzia de fatias de carne crua e fibrosa cada um, para irem mascando pelo caminho, e deixaram o resto para os gatos-das-sombras.
Não era uma possibilidade dois homens montarem num só cavalo. Cobra das Pedras ofereceu-se para ficar à espera dos perseguidores e surpreendê-los quando chegassem. Talvez conseguisse levar alguns consigo para o inferno. Qhorin recusou.
– Se algum homem na Patrulha da Noite consegue atravessar as Presas de Gelo sozinho e a pé é você, irmão. Pode subir montanhas que um cavalo tem de rodear. Dirija-se ao Punho. Diga a Mormont o que Jon viu, e como. Diga-lhe que os antigos poderes estão despertando, que enfrenta gigantes,
Depois disso, cada noite pareceu mais fria do que a anterior, e também mais solitária. Fantasma nem sempre seguia com eles, mas também nunca estava longe. Mesmo quando separados, Jon sentia sua proximidade. Estava contente por isso. Meia-Mão não era o mais sociável dos homens. A longa trança grisalha de Qhorin balançava lentamente com os movimentos do cavalo. Era frequente avançarem durante horas sem que uma palavra fosse proferida, ouvindo-se apenas o suave raspar de ferraduras em pedra e o lamento fúnebre do vento, que soprava continuamente pelas alturas. Quando dormia, não sonhava; nem com lobos, nem com os irmãos, nem com nada.
– Sua espada está afiada, Jon Snow? – perguntou Qhorin Meia-Mão por sobre o fogo tremeluzente.
– Minha espada é de aço valiriano. Foi o Velho Urso quem me deu.
– Lembra-se das palavras do seu juramento?
– Sim – não eram palavras de que um homem se esquecesse facilmente. Uma vez proferidas, nunca poderiam ser desditas. Mudava-lhes a vida para sempre.
– Volte a dizê-las comigo, Jon Snow.
– Se é isso o que quer – suas vozes juntaram-se numa só, sob a lua nascente, enquanto Fantasma escutava e as próprias montanhas serviam de testemunha.
– A noite chega, e agora começa a minha vigia. Não terminará até a minha morte. Não tomarei esposa, não possuirei terras, não gerarei filhos. Não usarei coroas e não conquistarei glórias. Viverei e morrerei no meu posto. Sou a espada na escuridão. Sou o vigilante nas muralhas. Sou o fogo que arde contra o frio, a luz que traz consigo a alvorada, a trombeta que acorda os que dormem, o escudo que defende os reinos dos homens. Dou a minha vida e a minha honra à Patrulha da Noite, por esta noite e por todas as noites que estão para vir.
Quando terminaram, não se ouviu nenhum som além do tênue crepitar das chamas e de um distante suspiro de vento. Jon abriu e fechou seus dedos queimados, agarrando-se bem às palavras em sua mente, rezando para que os deuses do pai lhe dessem forças para morrer com bravura quando sua hora chegasse. Agora não faltaria muito tempo. Os garranos estavam perto do fim de suas forças. Jon suspeitava que a montaria de Qhorin não duraria mais um dia.
As chamas já ardiam pouco a essa altura, o calor atenuava-se.
– A fogueira irá se apagar em breve – Qhorin disse –, mas se a Muralha alguma vez cair, todas as fogueiras se apagarão.
Nada havia que Jon pudesse responder àquilo. Apenas anuiu com a cabeça.
– Ainda poderemos escapar deles – disse o patrulheiro. – Ou não.
– Não tenho medo de morrer – era só meia mentira.
– Pode não ser tão fácil assim, Jon.
Não compreendeu.
– O que você quer dizer?
– Se formos capturados, tem de se render.
– Render-me? – Jon pestanejou, incrédulo. Os selvagens não faziam prisioneiros entre os homens que chamavam de corvos. Matavam-nos, a menos que… – Eles só poupam perjuros àqueles que se juntam a eles, como Mance Rayder.
– E como você.
– Não – sacudiu a cabeça. – Nunca. Não farei isso.
– Fará. Eu ordeno que faça isso.
–
– Nossa honra não tem mais significado do que nossa vida, desde que o reino fique em segurança. É um homem da Patrulha da Noite?
– Sim, mas…
– Não há
Jon endireitou as costas.
– Sou.
– Então, escute-me. Se formos capturados, passará para o lado deles, como a garota selvagem que capturou aquela vez sugeriu. Podem exigir que faça o manto em tiras, que lhes preste um juramento sobre a tumba do seu pai, que amaldiçoe os irmãos e o Senhor Comandante. Não pode se recusar, seja o que for que lhe seja solicitado. Faça o que lhe pedirem… Mas, no seu âmago, lembre-se sempre de quem e do que é. Cavalgue com eles, coma com eles, lute com eles, durante o tempo que for preciso. E