Descobri coisas que não julgava existirem enquanto celebrava a vida e a natureza. O que julgava encontrar apenas na dança, está por toda parte. E tem um rosto de mulher: eu vi na...
Fiquei assustada. Disse que sua missão era educar o filho, tentar ser melhor em seu trabalho, ganhar mais dinheiro, casar-se de novo, respeitar Deus tal como O conhecemos.
Mas Sherine não estava me escutando direito.
— Foi durante uma noite em que estávamos sentados em torno da fogueira, bebendo, rindo com histórias, escutando música. Exceto por uma vez no restaurante, todos os dias que passei ali não senti necessidade de dançar, como se estivesse acumulando energia para alguma coisa diferente. De repente senti que tudo à minha volta estava vivo, palpitando — eu e a Criação éramos uma coisa só. Chorei de alegria quando as chamas na fogueira pareceram transformar-se no rosto de uma mulher, cheia de compaixão, sorrindo para mim.
Tive um arrepio; feitiçaria cigana, com toda certeza.
E ao mesmo tempo me voltou a imagem da menina na escola, que dizia ter visto “uma mulher de branco”.
— Não se deixe levar por estas coisas, que são do demônio. Você sempre teve bons exemplos em nossa família, será que não pode simplesmente levar uma vida normal?
Pelo visto eu havia me precipitado ao julgar que a viagem em busca da mãe biológica lhe fizera bem. Mas, ao invés de reagir com a agressividade de sempre, ela continuou sorrindo:
— O que é normal? Por que papai vive sobrecarregado de trabalho, se já temos dinheiro suficiente para manter três gerações? É um homem honesto, merece o que ganha, mas sempre diz, 256
com certo orgulho, que está sobrecarregado de trabalho. Para quê?
Onde quer chegar?
— É um homem que dignifica sua vida.
— Quando vivia com vocês, sempre que chegava em casa ele perguntava pelos meus deveres, me dava uns quantos exemplos de como seu trabalho era necessário para o mundo, ligava a televisão, fazia comentários sobre a situação política no Líbano, antes de dormir lia um ou outro livro técnico, vivia sempre ocupado.
“E com você a mesma coisa; eu era a mais bem vestida na escola, levava-me às festas, cuidava da arrumação da casa, sempre foi gentil, amorosa, e me deu uma educação impecável. Mas e agora, que a velhice está chegando: o que pretendem fazer com a vida, já que cresci e sou independente?”
— Vamos viajar. Correr o mundo, desfrutar de nosso merecido descanso.
— Por que já não começam a fazer isso, quando ainda têm saúde?
Já havia me perguntado a mesma coisa. Mas sentia que meu marido precisava do seu trabalho — não pelo dinheiro, mas pela necessidade de ser útil, provar que um exilado também honra seus compromissos. Quando tirava férias e permanecia na cidade, sempre dava um jeito de ir até o escritório, conversar com os amigos, tomar esta ou aquela decisão que poderia esperar.
Procurava forçá-lo a ir ao teatro, ao cinema, aos museus, ele fazia tudo o que eu pedia, mas sentia que isso o aborrecia; seu único interesse era a firma, o trabalho, os negócios.
Pela primeira vez conversei com ela como se fosse uma amiga, e não minha filha — mas usando uma linguagem que não me comprometesse, e que ela pudesse entender facilmente.
— Você está dizendo que seu pai também procura preencher isso que chama de “espaços em branco”?
— No dia em que ele se aposentar, embora eu acredite que esse dia jamais chegará, pode ter certeza que irá entrar em depressão. O que fazer desta liberdade tão arduamente 257
conquistada? Todos o cumprimentarão pela brilhante carreira, pela herança que nos deixou, pela integridade com que dirigiu sua firma. Mas ninguém terá tempo para ele — a vida continua seu curso, e todos estão imersos nela. Papai vai sentir-se de novo um exilado, só que desta vez não terá um país para se refugiar.
— Você tem alguma idéia melhor?
— Tenho apenas uma: não quero que isso aconteça comigo. Sou agitada demais, e não me compreenda mal, não estou de maneira nenhuma culpando o exemplo que me deram. Mas preciso mudar.
“Mudar rápido.”
Deidre O’Neill, conhecida como Edda
Sentada na completa escuridão.
O menino, é claro, saiu imediatamente da sala — a noite é o reino do terror, dos monstros do passado, da época em que andávamos como os ciganos, como meu antigo mestre — que a Mãe tenha compaixão de sua alma, e que ele esteja sendo cuidado com carinho, até o momento de voltar.
Athena não sabe o que fazer desde que apaguei a luz.
Pergunta pelo filho, digo que não se preocupe, deixe por minha conta. Saio, ligo a televisão, coloco em um canal de desenhos animados, tiro o som; o menino fica hipnotizado, e pronto, o assunto está resolvido. Fico pensando como deveria ser no passado, porque as mulheres vinham para o mesmo ritual de que Athena devia participar agora, traziam seus filhos, e não havia televisão. O que faziam as pessoas que estavam ali para ensinar?
Bem, não é meu problema.