“Seu filho saiu daqui e foi ver televisão, porque o escuro lhe faz medo. E qual o motivo? No escuro, podemos projetar qualquer coisa, e geralmente projetamos apenas nossos fantasmas.
Isso vale para crianças e para adultos. Levante seu braço direito lentamente.”
O braço se moveu até o alto. Eu pedi que fizesse a mesma coisa com o braço esquerdo. Olhei bem os seus seios — muito mais bonitos que os meus.
— Pode abaixar, mas também lentamente. Feche os olhos, respire fundo, eu vou acender a luz. Pronto: terminou o ritual.
Vamos até a sala.
Ela levantou-se com dificuldade — as pernas tinham ficado dormentes por causa da postura que lhe havia indicado.
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Viorel já havia dormido; eu desliguei a televisão, fomos para a cozinha.
— Para que serviu tudo isso? — perguntou.
— Apenas para retirá-la da realidade cotidiana. Podia ter sido qualquer coisa onde pudesse fixar sua atenção, mas eu gosto do escuro e da chama de uma vela. Enfim, você está me perguntando onde quero chegar, não é verdade?
Athena comentou que tinha viajado quase três horas de trem, com o filho nos braços, precisando arrumar a mala para voltar ao emprego; podia ter ficado olhando uma vela no seu quarto, não precisava ter vindo até a Escócia.
— Precisava sim — respondi. — Para saber que não está sozinha, que outras pessoas estão em contato com a mesma coisa que você. O simples fato de entender isso, lhe permite acreditar.
— Acreditar em quê?
— Que está no caminho certo. E como eu disse antes: chegando a cada passo.
— Que caminho? Achei que, ao buscar minha mãe na Romênia, eu finalmente teria encontrado a paz de espírito que tanto precisava, e não encontrei. De que caminho está falando?
— Disso eu não tenho a menor idéia. Você só descobrirá quando começar a ensinar. Voltando a Dubai, arranje um discípulo ou uma discípula.
— Ensinar dança ou caligrafia?
— Estas coisas você já sabe. Precisa ensinar aquilo que não sabe. Aquilo que a Mãe deseja revelar através de você.
Ela me olhou, como se eu tivesse enlouquecido.
— Isso mesmo — insisti. — Por que pedi que levantasse os braços, e respirasse fundo? Para você achar que eu sabia algo mais que você. Mas não é verdade; era apenas uma maneira de tirá-
la do mundo a que está acostumada. Não pedi que você agradecesse à Mãe, que dissesse o quanto é maravilhosa, e que seu rosto brilha nas chamas de uma fogueira. Pedi apenas o gesto absurdo e inútil de levantar os braços, e concentrar a atenção em uma vela.
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Isso é suficiente — tentar, sempre que possível, fazer algo que não está de acordo com a realidade que nos cerca.
“Quando começar a criar rituais para o seu discípulo fazer, estará sendo guiada. Aí o aprendizado começa, assim dizia meu protetor. Se quiser ouvir minhas palavras, muito bem. Se não quiser, continue sua vida como ela está neste momento, e vai terminar batendo em uma parede chamada ‘insatisfação’.”
Chamei um táxi, conversamos um pouco sobre moda e homens, e Athena partiu. Eu tinha absoluta certeza que iria me escutar, principalmente porque fazia parte deste tipo de pessoas que nunca renuncia a um desafio.
— Ensine as pessoas a serem diferentes. Só isso! —
gritei, enquanto o táxi se afastava.
Isso é alegria. Felicidade seria estar satisfeita com tudo que já tinha — um amor, um filho, um emprego. E Athena, da mesma maneira que eu, não nasceu para este tipo de vida.
Heron Ryan, jornalista
Claro que eu não admitia estar apaixonado; tinha uma namorada que me amava, me completava, dividia comigo os momentos difíceis e as horas de alegria.
Todos os encontros e acontecimentos em Sibiu faziam parte de uma viagem; não era a primeira vez que isso acontecia quando estava fora de casa. As pessoas,quando se afastam do seu mundo, tendem a se tornar mais aventureiras, já que as barreiras e preconceitos ficaram distantes.
Ao voltar para a Inglaterra, a primeira coisa que fiz foi dizer que o tal documentário sobre o Drácula histórico era uma bobagem, um simples livro de um irlandês louco tivera a capacidade de dar uma péssima imagem da Transilvânia, um dos lugares mais bonitos do planeta. Evidente que os produtores não ficaram nem um pouco satisfeitos, mas a esta altura não me 263
importava com a opinião deles: deixei a televisão, e fui trabalhar para um dos jornais mais importantes do mundo.
Foi quando comecei a me dar conta que gostaria de encontrar-me de novo com Athena.
Telefonei, marcamos para dar um passeio antes que ela voltasse para Dubai. Ela aceitou, mas disse que gostaria de guiar-me por Londres.
Entramos no primeiro ônibus que parou no ponto, sem perguntar em que direção estava indo, escolhemos uma senhora que estava ali por acaso, e dissemos que saltaríamos no mesmo lugar que ela. Descemos em Temple, passamos por um mendigo que nos pedia esmola, e não demos — seguimos adiante enquanto escutávamos seus insultos, entendendo que esta era apenas uma forma de comunicar-se conosco.