O que o garoto está experimentando em frente à televisão — uma porta para uma realidade diferente — é a mesma coisa que vou provocar em Athena. Tudo é tão simples, e ao mesmo tempo tão complicado! Simples, porque basta mudar de atitude: não vou mais buscar felicidade. A partir de agora sou independente, 258
vejo a vida com os meus olhos, e não com o de outros. Vou buscar a aventura de estar viva.
E complicado: por que não vou procurar a felicidade, se as pessoas me ensinaram que este é o único objetivo que vale a pena? Por que vou me arriscar em caminho onde outros não se arriscam?
Afinal de contas, o que é felicidade?
Amor, respondem. Mas amor não traz, nem nunca trouxe felicidade. Muito pelo contrário, é sempre uma angústia, um campo de batalha, muitas noites em claro, perguntando-nos se estamos agindo corretamente. O verdadeiro amor é feito de êxtase e agonia.
Paz, então. Paz? Se olharmos a Mãe, ela jamais está em paz. O inverno luta com o verão, o sol e a lua nunca se encontram, o tigre persegue o homem, que tem medo do cão, que persegue o gato, que persegue o rato, que assusta o homem.
Dinheiro traz felicidade. Muito bem: então todas as pessoas que têm o bastante para viver com um altíssimo padrão de vida, poderiam parar de trabalhar. Mas continuam mais agitadas que antes, como se temessem perder tudo. Dinheiro traz mais dinheiro, isso é verdade. Pobreza pode trazer infelicidade, mas o contrário não é verdadeiro.
Eu busquei felicidade muito tempo de minha vida —
agora eu quero mesmo é alegria. Alegria é como sexo; começa e acaba. Eu quero prazer. Eu quero estar contente — mas felicidade?
Parei de cair nesta armadilha.
Quando estou com um grupo de pessoas e resolvo provocar usando uma das questões mais importantes de nossa existência, todas dizem: “sou feliz”.
Continuo: “mas você não deseja ter mais, não quer continuar a crescer?”. Todos respondem: “claro”.
Insisto: “então não é feliz”. Todos mudam de assunto.
Melhor voltar a esta sala onde Athena está agora.
Escura. Ela escuta meus passos, o fósforo que é riscado, e uma vela é acesa.
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— Tudo que nos cerca é o Desejo Universal. Não é a felicidade; é um desejo. E os desejos sempre são incompletos —
quando são preenchidos, deixam de ser desejos, não é verdade?
— Onde está meu filho?
— Seu filho está bem, vendo televisão. Quero que olhe apenas para esta vela, e não fale, não diga nada. Apenas acredite.
— Acreditar que...
— Pedi que não dissesse nada. Acredite, simplesmente —
não tenha dúvida de nada. Você está viva, e esta vela é o único ponto do seu universo — creia nisso. Esqueça para sempre esta idéia de que o caminho é uma maneira de chegar a um destino: na verdade, estamos sempre chegando a cada passo. Repita isso todas as manhãs: “eu cheguei”. Verá que vai ser muito mais fácil estar em contato com cada segundo do seu dia.
Dei uma pausa.
— A chama da vela está iluminando seu mundo. Pergunte a ela: “quem sou eu?”.
Esperei mais um pouco. E continuei:
— Imagino sua resposta: sou fulana de tal, vivi estas e aquelas experiências. Tenho um filho, trabalho em Dubai. Agora torne a indagar à vela: quem não sou eu?
De novo esperei. E de novo continuei:
— Você deve ter respondido: eu não sou uma pessoa contente. Eu não sou uma típica mãe de família, que se preocupa apenas com o filho, com o marido, com ter uma casa com um jardim e um lugar onde passar as férias todo verão. Acertei? Pode falar.
— Acertou.
— Então estamos no caminho certo. Você é — como eu sou
— uma pessoa insatisfeita. Sua “realidade” não combina com a
“realidade” dos outros. E você tem medo que seu filho siga o mesmo caminho, não é verdade?
— Tenho.
— Mesmo assim, sabe que não pode parar. Luta, mas não consegue controlar suas dúvidas. Veja bem esta vela: no momento, 260
ela é seu universo; concentra sua atenção, ilumina um pouco ao seu redor. Respire fundo, prenda o ar dentro dos pulmões o máximo de tempo possível, e expire. Repita isso cinco vezes.
Ela obedeceu.
— Este exercício deve ter acalmado sua alma. Agora lembre-se do que eu disse: acredite. Acredite que é capaz, que já chegou onde queria. Em um dado momento de sua vida, como contou em nosso chá hoje à tarde, disse que havia mudado o comportamento das pessoas no banco onde trabalhava, porque as havia ensinado a dançar. Não é verdade.
“Você mudou tudo, porque você mudou sua realidade com a dança. Acreditou nesta história do Vértice, que me parece interessante, embora eu jamais tenha escutado falar a respeito.
Gostava de dançar, acreditava no que estava fazendo. Não se pode acreditar em algo que não se gosta, entendeu?”
Athena fez um sinal afirmativo com a cabeça, mantendo os olhos fixos na chama da vela.
— A fé não é um desejo. A fé é uma Vontade. Desejos sempre são coisas para serem preenchidas, Vontade é uma força.
Vontade muda o espaço à nossa volta, como você fez com o trabalho no banco. Mas, para isso, é necessário Desejo. Por favor, concentre-se na vela!