O homenzinho fez uma pausa para tornar a acender o narguilé e ficou pensando durante alguns minutos. Estávamos todos absorvidos em sua extraordinária narrativa. No momento em que ele falou da morte do pai dela, a srta. Morstan ficou mortalmente pálida e pensei que ia desmaiar. Mas ela dominou-se bebendo um copo d’água, que eu, discretamente, enchera com o líquido de uma garrafa de cristal de Veneza que estava numa mesa próxima. Sherlock Holmes estava recostado em sua cadeira com uma expressão abstrata e as pálpebras caídas sobre os olhos brilhantes. Quando olhei para ele, lembrei-me de que naquele mesmo dia ele se queixara amargamente da rotina vulgar da vida. Agora, ele tinha de resolver um problema que exercitaria ao máximo sua sagacidade. Tadeu Sholto olhava para nós, orgulhoso do efeito que sua história produzira, e depois continuou, entre as baforadas que tirava do narguilé.
– Meu irmão e eu ficamos muito excitados com a história do tesouro. Durante semanas e meses cavamos e revolvemos todo o jardim sem resultado. Era enlouquecedor lembrar que nosso pai ia dizer o lugar do esconderijo no momento em que morreu. Podíamos imaginar o esplendor das riquezas desaparecidas pelo colar de pérolas que ele tirara. Tivemos uma pequena discussão sobre este colar. As pérolas eram, evidentemente, de grande valor, e ele não desejava reparti-las porque, aqui entre nós, ele tinha um pouco o defeito de meu pai. Ele achava que, se repartíssemos as pérolas, suscitaríamos desconfianças que acabariam nos trazendo problemas. Só consegui que me deixasse procurar o endereço da srta. Morstan e que lhe mandasse, a intervalos regulares, uma pérola de cada vez, para que ela, pelo menos, ficasse com a parte que lhe cabia.
– Foi uma boa idéia – disse a nossa companheira com sinceridade. – Foi muita bondade da sua parte.
O homenzinho moveu a mão, num gesto de desaprovação.
– Nós éramos os seus depositários. Foi deste ponto de vista que eu encarei o caso, ainda que não fosse esta a opinião do meu irmão Bartolomeu. Nós tínhamos uma boa fortuna. Eu não desejava mais. Além disso, seria de péssimo gosto tratar uma moça de modo tão vil.
Tadeu Sholto calou-se e ficou se remexendo no seu luxuoso sofá. Ficamos todos em silêncio, pensando no novo rumo que o misterioso caso tomara. Holmes foi o primeiro a levantar-se.
– Procedeu bem do início ao fim – disse ele. – É bem possível que, em troca, possamos esclarecer o que ainda está obscuro. Mas como a srta. Morstan notou há pouco, já é tarde, e é melhor prosseguir no caso o quanto antes.
Nosso novo amigo apagou imediatamente o narguilé e tirou de trás de uma cortina um sobretudo muito comprido, com colarinho e punhos de astracã. Abotoou-o até embaixo, embora a noite estivesse abafada, e completou a toalete pondo um boné de pele de coelho com abas compridas cobrindo-lhe as orelhas, de modo que, de todo o corpo, só se via o rosto instável e doentio.
– Minha saúde é delicada – disse enquanto nos levava pelo corredor. – Em breve estarei inválido.
Nosso cupê estava esperando e certamente o programa já fora combinado previamente, porque o cocheiro partiu a galope. Tadeu Sholto falou o tempo todo, numa voz que se elevava acima do ruído das rodas.
– Bartolomeu é um rapaz inteligente. Como imaginam que ele descobriu onde estava o tesouro? Ele chegou à conclusão de que ele devia estar dentro de casa; então, passou a procurar na casa inteira, em cada canto, não deixando de examinar nem um centímetro. Entre outras coisas, ele descobriu que a construção tinha 22 metros de altura, mas que, juntando as alturas de todos os quartos e dando os espaços entre eles, o que ele verificou por meio de sondagens, o total não passava de 21 metros; faltava, portanto, um metro. Ele só podia estar no alto do prédio. Fez um buraco no teto do quarto mais alto e lá realmente descobriu um pequeno sótão que tinha sido tapado e que ninguém conhecia. No centro estava o cofre, sobre duas vigas de madeira. Desceu-o pelo buraco e ele está lá. Bartolomeu calcula o valor das jóias em meio milhão de libras esterlinas, pelo menos.
Ao ouvir esta soma gigantesca, olhamos estarrecidos uns para os outros. A srta. Morstan, se conseguíssemos garantir os seus direitos, se transformaria de uma modesta professora na herdeira mais rica da Inglaterra.