Um amigo leal se alegraria com uma notícia dessas, mas envergonho-me de confessar que meu egoísmo envolveu a minha alma e o meu coração ficou pesado como chumbo. Procurei algumas palavras de congratulações, mas não consegui dizer nada, deixei cair a cabeça, estonteado com o papaguear do nosso homenzinho. Era sem dúvida um hipocondríaco, e parecia-me que ele desfiava um rosário interminável de sintomas e implorava informações sobre a composição e a ação de inúmeras panacéias, algumas das quais ele trazia numa bolsa de couro. Espero que ele não se lembre das minhas respostas. Holmes contou que me ouviu recomendar-lhe que não tomasse mais de duas gotas de óleo de rícino e ao mesmo tempo receitar como sedativo grandes doses de estriquinina. O caso é que fiquei aliviado quando o cupê parou com um solavanco e o cocheiro saltou para abrir a portinhola.
– Estamos em Pondicherry Lodge, srta. Mary Morstan – disse Tadeu Sholto, ajudando-a a descer.
5 Vinho licoroso produzido na Hungria.
Capítulo 5
a tragédia de pondicherry lodge
E
Pondicherry Lodge ficava no meio de um terreno cercado por um muro de pedra muito alto com cacos de vidro na parte superior. Uma estreita porta de ferro era a única entrada. Foi nela que o nosso guia bateu, com pancadas semelhantes às de um carteiro.
– Quem está aí? – gritou de dentro uma voz áspera.
– Sou eu, McMurdo. Você já devia conhecer a minha maneira de bater!
Ouviu-se um resmungo e um barulho de chaves. A porta abriu-se pesadamente e um homem baixo, de peito robusto, apareceu iluminando-nos com uma lanterna que também iluminava seu rosto protuberante e os olhos que piscavam desconfiados.
– É o sr. Tadeu? Mas quem são os outros? Não tenho ordem do patrão para recebê-los.
– Como não, McMurdo? Isso muito me admira. Eu disse ontem a meu irmão que iria trazer hoje alguns amigos.
– Ele não saiu do quarto hoje o dia inteiro, sr. Tadeu, e eu não tenho ordens para recebê-los. O senhor sabe muito bem que tenho de cumprir as ordens. Posso deixá-lo entrar, mas os seus amigos têm de ficar onde estão.
Era um obstáculo inesperado. Tadeu olhava para todos os lados, desnorteado.
– Isto não está certo, McMurdo. Deve ser suficiente para você que eu me responsabilize por eles. Há uma moça conosco. Não posso deixá-la esperando na estrada a esta hora.
– Sinto muito, sr. Tadeu – disse o porteiro com firmeza. – Podem ser seus amigos e não ser amigos do patrão. Ele me paga bem para cumprir a minha obrigação e hei de cumpri-la. Não conheço nenhum dos seus amigos.
– Oh, sim, você conhece, McMurdo – gritou Sherlock Holmes. – Não creio que você possa ter-se esquecido de mim. Não se lembra do amador que lutou três
– Oh! sr. Sherlock Holmes – gritou o lutador.
– Como pude deixar de reconhecê-lo! Se em vez de ficar aí quieto tivesse me dado um daqueles seus socos no queixo, eu teria logo sabido com quem lidava. Ah, o senhor é um dos que não aproveitam os seus dotes! Podia ir longe se continuasse a lutar.
– Você está vendo, Watson? Se todo o resto falhar, ainda tenho esta profissão científica – disse Holmes, rindo. – Tenho certeza de que o nosso amigo agora não vai nos deixar aqui fora no frio.
– Entre, senhor, entrem todos – ele respondeu.
– Sinto muito, sr. Tadeu, mas as ordens são rigorosas. Precisava poder confiar nos seus amigos antes de deixá-los entrar.
Dentro, um caminho de cascalho aberto num terreno abandonado levava a uma habitação enorme, quadrada e prosaica, mergulhada na escuridão, com exceção de um lado, onde batia o luar. O tamanho do prédio sombrio, com o seu silêncio sepulcral, causou um frio no coração. Nem o próprio Tadeu se sentia à vontade e a lanterna balançava na sua mão trêmula.
– Não posso compreender isto – dizia ele. – Deve haver algum engano. Eu disse a Bartolomeu que viria hoje com toda a certeza. E não há luz no quarto dele. Não sei o que fazer.
– Ele costuma proteger a casa assim? – perguntou Holmes.
– Ele segue os hábitos de meu pai. Ele era o filho predileto, e às vezes eu penso que meu pai deve ter contado a ele muito mais coisas do que para mim. Aquela janela onde a lua está batendo é a do quarto de Bartolomeu. Está muito claro, mas acho que a luz não vem de dentro.
– Não, nenhuma! – disse Holmes. – Mas vejo o brilho de uma luz naquela janelinha ao lado da porta.