– Então guarde-o com cuidado, srta. Morstan, porque talvez seja útil, mais tarde. Começo a suspeitar que o nosso caso pode ser mais profundo e sutil do que julguei a princípio. Preciso rever as minhas suposições.
Recostou-se no carro e percebi, pelas pálpebras semicerradas e pelo olhar vago, que estava concentrado em seus pensamentos. A srta. Morstan e eu tagarelávamos em voz baixa, a respeito da nossa expedição e do seu possível resultado; mas nosso companheiro manteve a mais impenetrável reserva até o fim do trajeto.
Ainda não eram 19 horas de uma tarde de setembro. O dia tinha sido sombrio e um nevoeiro úmido e denso envolvia a cidade toda. Nuvens cor de chumbo desciam tristemente sobre as ruas enlameadas. No Strand, os lampiões pareciam borrões de luz difusa que projetavam pequenos círculos brilhantes na calçada escorregadia. O brilho amarelo que vinha das vitrinas espalhava-se no ar úmido e lançava uma luz sombria e vacilante na rua cheia de gente.
Eu tinha a impressão de que havia algo de sobrenatural e fantasmagórico naquela procissão infindável de rostos que flutuavam por aquelas estreitas faixas de luz, algumas caras tristes, outras alegres, umas felizes, outras sofredoras... Como toda a humanidade, iam da sombra para a luz, e depois voltavam para a sombra. Eu não sou muito impressionável, mas a tarde pesada e triste, e o estranho caso em que estávamos envolvidos deixavam-me nervoso e deprimido. E bastava olhar para a srta. Morstan para ver que sofria como eu. Só Holmes conseguia ficar imune a influências insignificantes. De vez em quando abria o caderno de notas sobre os joelhos e, à luz da lanterna de bolso, escrevia notas ou números.
À entrada do Lyceum Theatre a multidão era compacta. Havia um contínuo vaivém de cabriolés e cupês livrando-se da sua carga de homens de camisas reluzentes e mulheres cobertas de brilhantes. Mal chegamos à terceira coluna, que era a do nosso encontro, fomos abordados por um sujeito baixo, escuro, vivo, vestido de cocheiro.
– São os senhores que acompanham a srta. Morstan? – perguntou.
– Eu sou a srta. Morstan, e estes dois senhores são meus amigos.
Ele pousou sobre nós um par de olhos admiravelmente penetrantes e inquiridores.
– Desculpe-me, senhorita – disse ele num tom rabugento –, mas tenho de pedir-lhe que me dê a sua palavra de que nenhum destes senhores é da polícia.
– Dou-lhe a minha palavra.
Ele deu um assobio agudo e surgiu um garoto que trouxe um cupê e abriu a porta. O homem que falara conosco subiu para a boléia e nós entramos. Mal acabávamos de nos acomodar quando o cocheiro deu uma chicotada no cavalo, e passamos a correr pelas ruas cobertas de neblina.
A situação era curiosíssima. Íamos para um lugar desconhecido, com um fim também desconhecido. Ou o convite era um perfeito logro – o que era uma hipótese inconcebível – ou a nossa jornada teria um resultado importantíssimo. O comportamento da srta. Morstan continuava a ser resoluto e tranqüilo. Tentei entretê-la e diverti-la com as minhas reminiscências do Afeganistão, mas, para dizer a verdade, eu próprio estava tão excitado com a situação e tão curioso sobre o que ia acontecer, que as minhas histórias foram se arrastando. Ela diz agora que naquela noite contei uma história sobre um mosquete que surgiu na entrada da minha barraca de madrugada e que eu atirei com uma espingarda de dois canos num filhote de tigre. No início eu tinha uma idéia do lugar para onde nos dirigíamos, mas em pouco tempo, com a pressa, o nevoeiro e o pouco conhecimento que eu tinha de Londres, perdi a noção e só sabia que estávamos indo para longe.
Mas Sherlock Holmes nunca se confundia, e, enquanto o cupê passava por praças e tortuosas ruas secundárias, ele ia dizendo os nomes de todas elas.
– Rochester Row – disse ele –, Vincent Square. Agora vamos sair na Vauxhall Bridge Road. Parece que estamos indo para os lados do Surrey. Eu imaginava isso. Agora estamos na ponte. Podemos ver uns trechos do rio.
Víamos de fato uns pedaços do Tâmisa com os lampiões brilhando na água silenciosa; mas o carro voava e logo entramos num labirinto de ruas do outro lado do rio.
Holmes ia dizendo os nomes.
– Wordsworth Road, Priory Road, Lark Hall Lane, Stockwell Place, Robert Street, Cold Harbour Lane. Não me parece que estejam nos levando para regiões muito elegantes.
De fato, tínhamos chegado a um bairro suspeito e repugnante. Longas filas de casas sombrias de tijolos eram iluminadas apenas pela claridade difusa e fraca das tabernas nas esquinas. Em seguida surgiram fileiras de