Sentei-me junto à janela com o livro na mão, mas meus pensamentos estavam muito distantes das especulações ousadas do autor. Meu espírito foi atrás da nossa visita, o seu sorriso, o tom quente e profundo da sua voz, o estranho mistério que pesava sobre a sua vida. Se ela estava com 17 anos na época do desaparecimento do pai, devia ter agora 27. Doce idade, quando a mocidade perde sua inibição e torna-se mais sensata pela experiência. Então sentei-me e fiquei meditando até que os meus pensamentos se tornaram tão perigosos que corri para a minha escrivaninha e mergulhei furiosamente no mais recente tratado de patologia. Quem era eu – um cirurgião do Exército, com uma perna fraca e uma conta bancária ainda mais fraca – para ousar pensar em coisas assim? Ela era uma unidade, o dado do problema – nada mais. Se meu futuro era negro, seria melhor encarálo como um homem do que tentar iluminá-lo apenas com castelos no ar.
Capítulo 3
em busca da solução
J
– Não há grande mistério nesse caso – disse ele, tomando o chá que eu servira.
– Os fatos parecem admitir uma única explicação.
– O quê? Já achou a solução?
– Bem, isto seria um exagero. Apenas descobri um dado sugestivo, mas é muito sugestivo. Ainda faltam detalhes. Acabo de descobrir, consultando os números atrasados do
– Talvez eu seja obtuso, Holmes, mas não consigo ver o que isto sugere.
– Não? Você me surpreende. Então veja. O capitão Morstan desaparece. A única pessoa em Londres que ele pode ter visitado é o major Sholto, que afirmava que nem sabia que ele havia chegado. Quatro anos depois, Sholto morre. Passada uma semana, a filha do capitão Morstan recebe um presente de grande valor que se repete todos os anos, e agora vem esta carta dizendo que ela foi prejudicada. A que prejuízo ela se refere, a não ser o de terem-na privado do pai? E por que os presentes começaram a aparecer logo depois da morte de Sholto? Será que o herdeiro de Sholto sabe alguma coisa do mistério e deseja compensá-la de alguma forma? Você acha que pode haver outra alternativa que explique os fatos?
– Mas que compensação estranha! E feita de uma maneira singular! E por que ele escreveria agora e não há seis anos? E a carta ainda fala em fazer justiça! Que justiça deve ser feita? Seria demais supor que o pai dela ainda vive. Que se saiba, esta é a única injustiça que sofreu.
– Há dificuldades, é claro que há dificuldades – disse Holmes pensativo – mas a nossa excursão noturna deverá resolvê-las. Aí vem o cupê com a srta. Morstan dentro. Está tudo pronto? Então é melhor descermos, porque já está passando da hora.
Apanhei o meu chapéu e a bengala mais pesada, mas notei que Holmes apanhara o revólver na gaveta e metera-o na algibeira. Era claro que ele esperava que nossa noite fosse importante...
A srta. Morstan vinha agasalhada num casaco escuro e seu rosto expressivo estava calmo, embora pálido. Não seria mulher se não se sentisse embaraçada numa situação tão estranha como aquela. Mas, ainda assim, o seu autocontrole era perfeito, e respondeu prontamente às perguntas adicionais que Holmes lhe fez.
– O major Sholto era um grande amigo de meu pai. As cartas que me escrevia estavam cheias de referências a ele. Ele e meu pai comandaram as tropas nas ilhas Andamã e por isso tiveram grande convivência. Encontrei entre os documentos de meu pai um papel muito curioso, mas que ninguém conseguiu entender. Acho que não tem a menor importância, mas lembrei-me de que poderia gostar de vê-lo e trouxe-o comigo. Está aqui...
Holmes desdobrou o papel com cuidado e estendeu-o sobre os joelhos. Então, examinou-o metodicamente com a lente dupla.
– Este papel é de fabricação indiana – observou. – Esteve pregado numa tábua durante algum tempo. Parece ser a planta de parte de um grande edifício, com muitas salas, corredores e passagens. Num certo ponto há uma cruzinha feita com tinta vermelha e acima está escrito a lápis “3,37 a partir da esquerda”, já meio apagado. No canto esquerdo há um curioso hieróglifo como quatro cruzes numa linha com os braços encostando uns nos outros. Ao lado está escrito em letras grosseiras “
– Foi no caderno dele que o encontramos.