– Agradeça ao Bom Mestre por sua paciente gentileza – disse Dany – e diga-lhe que pensarei em tudo que aprendi aqui. – Ofereceu o braço a Arstan Barba-Branca, para que o velho escudeiro a levasse através da praça até a liteira. Aggo e Jhogo rodearam-nos, caminhando com o gingar de pernas arqueadas que todos os senhores dos cavalos adotavam quando eram forçados a desmontar e caminhar pela terra como simples mortais.
Dany subiu na sua liteira com a expressão carregada e fez sinal a Arstan para que subisse também. Um homem tão velho como ele não devia andar a pé num calor tão forte. Não fechou as cortinas quando se puseram em movimento. Com o sol castigando tão duramente aquela cidade de tijolos vermelhos, qualquer brisa perdida era algo a ser apreciado, mesmo se viesse acompanhada de um redemoinho de fina poeira vermelha.
Astapor era uma cidade estranha, mesmo aos olhos de alguém que tinha andado pela Casa de Poeira e se banhado no Ventre do Mundo à sombra da Mãe das Montanhas. Todas as ruas eram feitas dos mesmos tijolos vermelhos que pavimentavam a praça. E o mesmo material construíra as pirâmides de degraus, as profundamente escavadas arenas de luta – com suas arquibancadas em forma de anéis descendentes –, as fontes sulfurosas e as sombrias adegas, e as antigas muralhas que os cercavam.
– Abram alas! – gritava Jhogo, do cavalo à frente da liteira. – Abram alas para a Mãe de Dragões! – Mas quando desenrolou o grande chicote de cabo de prata que ela lhe dera e o fez estalar no ar, Dany debruçou-se para fora e disse-lhe que não.
– Neste lugar, não, sangue do meu sangue – disse, na língua dele. – Estes tijolos ouviram o som de chicotes mais do que deveriam.
As ruas tinham estado praticamente desertas quando saíram do porto naquela manhã, e não pareciam muito mais povoadas agora. Um elefante passou pesadamente por eles, com uma liteira gradeada sobre o dorso. Um garoto nu com a pele descascando estava sentado numa valeta de tijolo seca, com o dedo enfiado no nariz e olhando, carrancudo, para um grupo de formigas que caminhavam pela rua. Ergueu a cabeça ao ouvir o ruído de cascos e ficou olhando de boca aberta quando uma coluna de guardas a cavalo passou por ele a trote, numa nuvem de poeira vermelha e gargalhadas quebradiças. Os discos de cobre cosidos aos seus mantos de seda amarela cintilavam como outros tantos sóis, mas suas túnicas eram de linho bordado, e abaixo da cintura usavam sandálias e saias de linho plissadas. De cabeça nua, cada homem tinha penteado, untado e retorcido seus rígidos cabelos vermelhos e negros, dando-lhes uma forma fantástica qualquer, cornos, asas e lâminas, e até mãos dadas, de modo que pareciam uma trupe de demônios fugida do sétimo inferno. O garoto nu observou-os por um tempo, tal como Dany, mas eles rapidamente desapareceram, e o menino voltou às suas formigas, com um dedo no nariz.
A liteira parou subitamente num cruzamento, para permitir que um comboio de escravos passasse à sua frente, arrastando os pés, incentivado a avançar pelo estalar do chicote de um capataz. Aqueles não eram Imaculados, reparou Dany, mas homens de um tipo mais comum, com pele parda clara e cabelos castanhos. Havia mulheres entre eles, mas crianças não. Estavam todos nus. Dois astapori vinham atrás dos escravos, montados em burros brancos, um homem com um
– Tijolos e sangue construíram Astapor – murmurou o Barba-Branca ao seu lado – e tijolos e sangue construíram o seu povo.
– O que é isso? – perguntou-lhe Dany, curiosa.
– Uns versos antigos que um meistre me ensinou, quando eu era garoto. Nunca soube como eram verdadeiros. Os tijolos de Astapor são vermelhos do sangue dos escravos que os fizeram.
– Consigo acreditar nisso perfeitamente – disse Dany.
– Então abandone este lugar antes que seu coração também se transforme em um tijolo. Zarpe hoje mesmo, na maré da noite.