Arya voltou à Pira do Rei da mesma maneira que tinha saído, e esgueirou-se pela escada em caracol acima com os ouvidos à escuta de passos. Em sua cela, despiu-se por completo e vestiu-se com cuidado, duas camadas de roupa de baixo, meias quentes e a sua túnica mais limpa. Era uma farda de Lorde Bolton. Tinha seu símbolo cosido ao peito, o homem esfolado do Forte do Pavor. Amarrou os sapatos, envolveu os ombros magros num manto de lã e o atou por baixo da garganta. Silenciosa como uma sombra, voltou a descer a escada. Junto ao aposento privado do senhor, fez uma pausa para escutar à porta, abrindo-a lentamente quando só ouviu silêncio.
O mapa de pele de ovelha estava sobre a mesa, ao lado dos restos do jantar de Lorde Bolton. Enrolou-o bem e o enfiou no cinto. Ele tinha deixado o punhal sobre a mesa, e ela também o pegou, para o caso de Gendry perder a coragem.
Um cavalo relinchou baixinho quando Arya entrou silenciosamente nos estábulos escurecidos. Todos os palafreneiros dormiam. Cutucou um deles com a ponta do pé até que se sentou, grogue, e disse:
– Ahn? Quê?
– Lorde Bolton quer três cavalos selados e ajaezados.
O rapaz pôs-se em pé, sacudindo palha dos cabelos:
– Hã? A essa hora? Cavalos, você diz? – piscou os olhos ao ver o símbolo na túnica dela. – Pra que é que ele quer cavalos no escuro?
– Lorde Bolton não tem o hábito de ser interrogado por criados – e cruzou os braços.
O cavalariço ainda olhava para o homem esfolado. Sabia o que queria dizer.
– Falou em três?
– Um, dois, três. Cavalos de caça. Rápidos e de patas seguras – Arya o ajudou com os freios e as selas, para que o rapaz não precisasse acordar nenhum dos outros. Esperava que não o machucassem depois, mas sabia que era provável que o fizessem.
Levar os cavalos através do castelo era a pior parte. Permaneceu na sombra da muralha exterior sempre que pôde, para que as sentinelas em suas rondas nas ameias, lá em cima, tivessem de olhar quase diretamente para baixo a fim de vê-la.
Ninguém a viu, e ela não viu ninguém, só um gato cinza e branco que caminhava ao longo do topo do muro do bosque sagrado. Parou e bufou para ela, despertando memórias da Fortaleza Vermelha, do pai e de Syrio Forel.
– Podia pegá-lo se quisesse – disse-lhe em voz baixa –, mas tenho de ir, gato – o bicho voltou a silvar e fugiu.
A Torre dos Fantasmas era a mais arruinada das cinco imensas torres de Harrenhal. Erguia-se, escura e desolada, atrás dos restos de um septo em ruínas onde apenas ratazanas vinham rezar havia quase trezentos anos. Foi ali que esperou para ver se Gendry e Torta Quente viriam. Pareceu que tinha esperado muito tempo. Os cavalos mordiscaram o mato que crescia entre as pedras rachadas enquanto as nuvens engoliam as últimas estrelas. Arya tirou o punhal e o afiou, para manter as mãos ocupadas. Longos movimentos suaves, como Syrio lhe ensinara. O som a acalmou.
Ouviu-os chegando muito antes de vê-los. Torta Quente respirava pesadamente, e uma vez tropeçou no escuro, esfolou a canela e praguejou suficientemente alto para acordar metade de Harrenhal. Gendry era mais silencioso, mas as espadas que trazia tilintavam umas nas outras com seus movimentos.
– Estou aqui – ficou em pé. – Fiquem quietos, senão vão ouvi-los.
Os rapazes abriram caminho por cima de pedras caídas até onde ela estava. Arya viu que Gendry vestia uma cota de malha oleada sob o manto, e tinha seu martelo de ferreiro a tiracolo. O rosto vermelho e redondo do Torta Quente espreitava por debaixo de um capuz. Trazia um saco de pão pendurado na mão direita e um grande queijo debaixo do braço esquerdo.
– Há um guarda naquela saída – Gendry disse em voz baixa. – Eu disse que haveria.
– Fiquem aqui com os cavalos – Arya avisou. – Eu me livro dele. Venham depressa quando eu chamar.
Gendry concordou. Torta Quente disse:
– Pie como uma coruja quando quiser que a gente vá.
– Não sou uma coruja – Arya protestou. – Sou um lobo. Uivarei.