— ... um dia explico. Minha protetora disse que só iria aprender o que preciso, se fosse provocada. E, desde que voltei de Dubai, você foi a primeira pessoa que apareceu para me mostrar isso. Faz sentido o que ela disse.
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Expliquei que, no processo de pesquisa para a peça de teatro, tinha ido de um mestre a outro. Mas nada havia de excepcional em seus ensinamentos — exceto o fato de que minha curiosidade ia aumentando à medida que eu progredia no assunto.
Disse também que as pessoas que lidavam com o tema pareciam confusas, e não sabiam exatamente o que queriam.
— Como por exemplo?
O sexo, por exemplo. Em alguns dos lugares a que fui, era completamente proibido. Em outros, não apenas era totalmente livre, como às vezes estimulavam orgias. Ela pediu mais detalhes
— e eu não compreendi se fazia isso para me testar, ou se não conhecia nada do que estava se passando.
Athena continuou antes que eu pudesse responder sua pergunta.
— Quando você dança, sente desejo? Sente que está provocando uma energia maior? Quando você dança, existem momentos em que deixa de ser você?
Fiquei sem saber o que dizer. Na verdade, nas boates e nas festas de amigos, a sensualidade estava sempre presente na dança — eu começava por provocar, gostava de ver os olhares de desejo dos homens, mas à medida que a noite avançava parecia entrar mais em contato comigo, o fato de estar seduzindo ou não alguém deixava de fazer muita diferença...
Athena continuou.
— Se o teatro é um ritual, a dança também. Além disso, é uma maneira ancestral de aproximar-se do parceiro. Como se os fios que nos conectam com o resto do mundo ficassem limpos do preconceito e dos medos. Quando você dança, pode se dar ao luxo de ser você.
Comecei a escutá-la com respeito.
— Depois, voltamos a ser quem éramos antes; pessoas assustadas, tentando ser mais importantes do que acham que são.
Exatamente como eu me sentia. Ou será que todos experimentam a mesma coisa?
— Você tem namorado?
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Lembrei-me que, em um dos lugares em que tinha ido para aprender a “Tradição de Gaia”, um dos “druidas” havia me pedido para que fizesse amor na frente dele. Ridículo e assustador — como é que estas pessoas ousavam utilizar a busca espiritual para seus propósitos mais sinistros?
— Você tem namorado ? — ela repetiu.
— Tenho.
Athena não disse mais nada. Apenas colocou a mão nos lábios, pedindo que eu ficasse quieta.
E de repente me dei conta que era extremamente difícil para mim estar em silêncio diante de uma pessoa que você acaba de conhecer. A tendência é falar sobre qualquer coisa — o tempo, os problemas com o trânsito, os melhores restaurantes. Estávamos as duas sentadas no sofá de sua sala completamente branca, com um aparelho de CD e uma pequena estante onde ficavam guardados os discos. Não via livros por nenhuma parte — nem quadros nas paredes. Como já havia viajado, esperava encontrar objetos e lembranças do Oriente Médio.
Mas era vazio, e agora o silêncio.
Os olhos cinzentos estavam fixos nos meus, mas fiquei firme e não desviei meu olhar. Instinto, talvez. Maneiras de dizer que não estamos assustados, mas encarando de frente o desafio. Só que, com o silêncio e a sala branca, o ruído do tráfego lá fora, tudo começou a parecer irreal. Quanto tempo íamos ficar ali, sem dizer nada?
Comecei a acompanhar meus pensamentos; eu chegara ali em busca de material para a minha peça, ou queria mesmo o conhecimento, a sabedoria, os... poderes? Não conseguia definir o que tinha me levado a uma...
A uma quê? Uma bruxa?
Meus sonhos de adolescente voltaram à tona: quem não gostaria de encontrar-se com uma bruxa de verdade, aprender magia, ser olhada com respeito e temor por suas amigas? Quem, como jovem, não se sentiu injustiçada pelos séculos de repressão da mulher, e sentia que esta era a melhor maneira de resgatar a 271
identidade perdida? Embora eu já tivesse passado esta fase, era independente, fazia o que gostava em um terreno tão competitivo como o teatro, por que jamais estava contente, precisava testar sempre minha... curiosidade?
Devíamos ter mais ou menos a mesma idade... ou eu era mais velha? Será que ela também tinha um namorado?
Athena se moveu em direção a mim. Agora estávamos separadas por menos de um braço, e comecei a sentir medo. Seria lésbica?
Embora não desviasse os olhos, sabia onde estava a porta e podia sair na hora que quisesse. Ninguém tinha me obrigado a ir até aquela casa, encontrar alguém que nunca vira na minha vida, e ficar ali perdendo tempo, sem dizer nada, sem aprender absolutamente coisa nenhuma. Onde ela queria chegar?
No silêncio, talvez. Meus músculos começaram a ficar tensos. Eu estava sozinha, desprotegida. Eu precisava desesperadamente conversar, ou fazer com que minha mente parasse de me dizer que tudo estava me ameaçando. Como podia saber quem sou? Somos o que falamos!