– São coisas infernais – disse Holmes. – Não vá se arranhar com eles. Estou contente por tê-los encontrado. É provável que ele só tivesse estes. Assim, não precisamos ter muito medo de que sejamos mimoseados com algum na nossa pele. Você é capaz de enfrentar uma caminhada difícil de uns dez quilômetros, Watson?
– Mas com toda certeza – respondi.
– A sua perna agüenta?
– Agüenta.
– Aqui está o cachorrinho. O bom e velho
Holmes atirou o lenço longe, amarrou uma corda grossa no pescoço do mestiço e levou-o para perto do barril de água. O bicho começou a dar uma série de latidos agudos, trêmulos e, com o nariz perto do chão e a cauda no ar, começou a seguir o rastro numa rapidez que mal conseguíamos acompanhar.
O céu começara a clarear e já era possível enxergar a uma certa distância na luz fria e cinzenta. A casa quadrada e sólida, com as suas escuras janelas vazias e paredes altas e nuas, se elevava, triste e desamparada, atrás de nós. Atravessamos o terreno da casa rodeando fossos e buracos. O espaço todo, com os seus montes de lixo espalhados e os arbustos raquíticos, tinha um aspecto estéril, abandonado, que combinava bem com a tragédia que ali se desenrolara.
Ao chegar ao muro que cercava o jardim,
– Olhe a marca da mão do perna-de-pau – ele mostrou quando eu subi. Veja a leve mancha de sangue na cal branca. Foi uma sorte que não tenha chovido forte desde ontem. O cheiro vai se conservar na estrada, apesar da dianteira de 28 horas que eles têm sobre nós.
Eu confesso que tinha minhas dúvidas quando pensei no tráfego movimentado no caminho para Londres neste intervalo. Mas meus receios logo desapareceram.
– Não pense que o êxito da minha investigação depende do fato de o sujeito ter ou não pisado nessa substância; o que sei agora me permitiria rastreá-los de muitas outras maneiras. Este é o mais rápido e, já que a sorte o colocou nas nossas mãos, seria condenável desprezá-lo. Entretanto, impediu que o caso fosse o belo problema intelectual que prometia ser.
– Garanto-lhe, Holmes, que fico maravilhado com os meios que você usa para obter resultados neste caso, ainda mais do que no assassinato de Jefferson Hope. Este aqui parece mais profundo e inexplicável. Como você pôde, por exemplo, descrever com tanta segurança o homem da perna-de-pau?
– Ah, meu rapaz, é a própria simplicidade. Não quero ser teatral. É tudo claro e nítido. Dois oficiais que comandam a guarda dos degredados ficam sabendo de um segredo importante a respeito de um tesouro enterrado. Um inglês chamado Jonathan Small desenha um mapa para eles. Deve lembrar que vimos o nome no mapa do capitão; ele assinou em seu próprio nome e nos de seus sócios,
– Mas isto é pura especulação.
– É mais do que isso. É a única hipótese que pode explicar os fatos. Vamos ver pelo desenrolar dos acontecimentos. O major Sholto vive em paz durante alguns anos, feliz com a posse do tesouro. Então recebe uma carta da Índia que o deixa muito assustado. O que era?
– Uma carta dizendo que os homens que ele enganara haviam sido libertados.
– Ou tinham fugido. Esta hipótese é muito mais provável, porque ele devia saber quando a pena terminaria. Não teria sido uma surpresa para ele. O que fez então? Pôs-se em guarda contra o homem da perna-de-pau, um homem branco; note, porque ele quase matou um comerciante branco que pensou ser o outro. Só havia o nome de um homem branco no mapa, os outros são de indianos e maometanos, não há outro branco. Portanto, podemos garantir que o homem da perna-de-pau é Jonathan Small. Você acha que este raciocínio é falho?
– Não. É claro e conciso.