Bem, não sei se foi pura maldade dessa mulher ou se ela pensava que podia me colocar contra minha esposa, estimulando o mau comportamento dela. Seja lá como for, ela alugou uma casa a apenas duas ruas de distância e abriu uma pensão para marinheiros. Fairbairn costumava ficar lá, e Mary ia tomar chá com a irmã e Alec. Não sei quantas vezes ela esteve lá, mas um dia eu a segui, e quando entrei pela porta, Fairbairn fugiu pelo muro do jardim, como o gambá medroso que ele era. Jurei a minha mulher que eu a mataria se a encontrasse de novo na companhia dele, e a levei de volta comigo, soluçando e tremendo, branca feito cera. Não havia mais nenhum vestígio de amor entre nós. Eu podia perceber que ela me odiava e me temia, e só de pensar nisso comecei a beber mais ainda; e ela passou a me desprezar também. Bem, Sarah achou que não podia continuar morando em Liverpool, e voltou, eu acho, para morar com a outra irmã em Croydon; mas as coisas em minha casa continuaram aos trancos como sempre. Chegou, então, esta última semana, com toda a desgraça e ruína. Foi assim: tínhamos partido no May Day para uma viagem de ida e volta de sete dias, mas uma chapa do casco afrouxou e inundou a maquinaria; então tivemos de voltar ao porto para um reparo de 12 horas. Saí do navio e fui para casa, pensando na surpresa que seria para minha mulher e achando que talvez ela ficasse contente em me ver mais cedo. Pensava assim quando entrei na minha rua, e naquele momento vi um coche passando por mim, e lá dentro estava ela, sentada ao lado de Fairbairn, os dois conversando e rindo, sem perceberem que eu estava ali, vendo tudo da calçada. Vou lhes dizer, palavra de honra, que daquele momento em diante eu não estava mais senhor de mim mesmo e tudo me parece um sonho quando tento me lembrar. Eu estivera bebendo bastante e as duas coisas juntas viraram minha cabeça. Tem um negócio batendo na minha cabeça, como uma britadeira, mas naquela manhã parecia que as cataratas do Niágara estavam assobiando e zunindo em meus ouvidos. Saí correndo atrás do carro. Tinha um pesado bastão de carvalho nas mãos e lhes digo que estava furioso; mas, enquanto corria, fiquei esperto também, e me mantive um pouco afastado, para poder vê-los sem ser visto. Logo depois eles desceram na estação de trem. Havia muita gente na bilheteria, de modo que cheguei perto deles, sem que me vissem. Compraram passagens para New Brighton. Eu também, mas fiquei uns três vagões mais atrás. Quando chegamos, eles desceram e se dirigiram para a praia, e eu estava sempre a uns 200 metros de distância. Finalmente os vi alugarem um bote e saírem remando, pois era um dia muito quente e certamente eles pensavam que na água seria mais refrescante. Era como se eles tivessem sido entregues nas minhas mãos. Havia uma espécie de neblina e não se conseguia ver mais do que algumas centenas de metros. Também aluguei um bote e parti atrás deles. Eu só conseguia ver uma mancha do bote deles, pois estavam seguindo tão depressa quanto eu e deviam estar mais ou menos a 1,5 quilômetro da praia, quando eu os alcancei. A neblina era uma espécie de cortina ao nosso redor, e lá estávamos nós três, no meio. Meu Deus, será que vou esquecer a expressão de seus rostos quando descobriram quem estava no barco que se aproximava do deles? Ela gritou. Ele praguejou como um louco e tentou me acertar com um remo, pois viu a morte no meu rosto. Eu me esquivei e o acertei com meu bastão; estourei a cabeça dele como um ovo. Eu podia tê-la poupado, talvez, embora estivesse alucinado, mas ela lançou os braços em volta dele, chorando e se lamentando, chamando-o de ‘Alec!’. Bati de novo e ela caiu ao lado dele. Eu era uma fera selvagem que tinha acabado de sentir o gosto de sangue. Se Sarah estivesse ali, ela se juntaria a eles, por Deus. Arranquei meu facão e... bem, já disse o suficiente. Senti uma espécie de alegria selvagem quando imaginei como Sarah se sentiria ao receber aqueles sinais como resultado de suas intrigas. Amarrei, então, os corpos no barco, quebrei uma tábua e fiquei ali até vê-los no fundo. Eu sabia muito bem que o dono do barco iria pensar que eles haviam se perdido na neblina e acabaram indo para o mar. Limpei-me, voltei à terra e embarquei no navio sem que ninguém desconfiasse do que ocorrera.
Naquela noite preparei o pacote para Sarah Cushing e no dia seguinte o enviei de Belfast. Aí está toda a verdade da história. Podem me enforcar, podem fazer o que quiserem comigo, porque não conseguirão me castigar mais do que já fui castigado. Não consigo fechar os olhos porque vejo aqueles dois rostos me encarando como quando viram meu bote surgir da neblina. Matei-os rapidamente, mas eles estão me matando devagar, e se eu passar mais uma noite assim, vou enlouquecer ou morrer antes de amanhecer. O senhor vai me colocar numa cela sozinho? Pelo amor de Deus, não faça isso, e que o senhor possa ser tratado no dia de sua agonia como me tratar agora.”