Choveu enquanto estávamos no trem e o calor estava mais suportável em Croydon do que em Londres. Holmes havia mandado um telegrama, de modo que Lestrade, firme, ativo e atento, como sempre, estava nos esperando na estação. Andamos durante cinco minutos até Cross Street, onde morava a senhorita Cushing. Era uma rua comprida, de casas com fachadas de tijolos, dois andares, elegantes e bem conservadas, com degraus de pedra, e havia pequenos grupos de mulheres de avental conversando nas portas das casas. Lestrade parou na metade da rua e bateu em uma porta, e uma empregada a abriu. A senhorita Cushing estava sentada no quarto da frente, para onde fomos levados. Era uma mulher de rosto plácido, com olhos grandes e suaves, cabelos grisalhos em ondas que desciam pelas fontes. Tinha no colo uma cobertura para poltrona e uma cesta com fios de seda multicolorida estava num banquinho ao seu lado.
– Aquelas coisas medonhas estão no quarto de despejo – ela disse quando Lestrade entrou. – Gostaria que o senhor as levasse daqui imediatamente.
– Pois não, senhorita Cushing. Eu as deixei aqui para que meu amigo, sr. Holmes, as visse em sua presença.
– Por que em minha presença, senhor?
– Para o caso de ele querer fazer-lhe algumas perguntas.
– O que adianta me fazer perguntas se eu já lhe disse que nada sei a respeito disso?
– Está certo, madame – disse Holmes, conciliador. – Tenho certeza de que a senhorita já se aborreceu o suficiente com este negócio.
– De fato, senhor. Sou uma mulher pacata e vivo sozinha. É uma coisa inteiramente nova para mim ver meu nome nos jornais e ter a polícia aqui em casa. Não quero aquelas coisas aqui, sr. Lestrade. Se o senhor quiser vê-las, vá para a casinha do terreiro.
Era um compartimento apertado no pequeno jardim, na parte traseira da casa. Lestrade entrou e trouxe uma caixa de papelão amarelo, com um pedaço de papel marrom e um barbante. Havia um banco ali perto, e nós nos sentamos enquanto Holmes examinava o conteúdo que Lestrade lhe entregou.
– Este barbante é extremamente interessante – disse ele, examinando-o e cheirando-o. – O que acha disso, Lestrade?
– Foi besuntado.
– Exatamente. É um pedaço de barbante besuntado. Você também deve ter notado que a senhorita Cushing cortou o barbante com uma tesoura, o que pode ser visto pelos fiapos em cada ponta. Isto é importante.
– Não vejo por quê – disse Lestrade.
– A importância está no fato de o nó ter ficado intacto, e este nó é especial.
– Está muito apertado. Já tinha notado isso – disse Lestrade com complacência.
– Basta quanto ao barbante – disse Holmes, sorrindo. Agora, o papel do embrulho. Marrom, com forte cheiro de café. Como? Não tinha observado isso? Acho que não há dúvida a respeito disso. Endereço escrito com letras bastante irregulares: “Senhorita S. Cushing, Cross Street, Croydon”. Feito com pena de bico grosso, provavelmente uma J, e tinta vagabunda. A palavra “Croydon” foi escrita inicialmente com “i” e depois mudada para “y”. O pacote, portanto, foi mandado por um homem – e a caligrafia é tipicamente masculina – de pouca cultura e não acostumado com a cidade de Croydon. Até aqui, tudo bem! A caixa é amarela, pesa meia libra, nada tem de especial a não ser duas marcas de polegar no canto inferior esquerdo. Cheia de sal grosso, do tipo usado para conservar peles e outros produtos comerciais. E no meio dele é que está esse estranho conteúdo. – Ele tirou as duas orelhas enquanto falava e as colocou sobre uma tábua nos joelhos, examinando-as detalhadamente; eu e Lestrade, inclinados ao lado dele, olhávamos para as relíquias medonhas e para o rosto pensativo e ansioso do nosso amigo. Finalmente ele as recolocou na caixa e ficou sentado, meditando profundamente.
– Você notou, é claro – ele disse, por fim –, que as orelhas não são de uma só pessoa.
– Sim, eu tinha observado isso. Mas se isto for uma brincadeira de mau gosto de alguns estudantes da sala de dissecação, seria fácil para eles enviarem duas orelhas diferentes, como se pertencessem a uma só pessoa.
– Exatamente. Mas isto aqui não é uma brincadeira de mau gosto.
– Tem certeza?
– Tudo indica que não é. Corpos da sala de anatomia recebem injeções de um fluido conservante. Estas orelhas não o têm. São frescas, também. Foram arrancadas com um instrumento sem muito corte, o que dificilmente aconteceria se tivesse sido feito por um estudante de medicina – ele usaria o conservante líquido, não o sal grosso. Repito que nós não temos aqui uma travessura de estudantes, mas estamos frente a um crime grave.
Um vago arrepio percorreu meu corpo enquanto ouvia as palavras de meu amigo, e vi a gravidade do assunto estampada em suas feições. Este prelúdio brutal parecia lançar um horror estranho e inexplicável no passado. Lestrade, no entanto, sacudiu a cabeça como uma pessoa não inteiramente convencida.