– Por que ele previu que ela seria muito mais útil para ele no papel de uma mulher livre.
Todos os meus instintos não manifestados, minhas desconfianças vagas, tomaram forma de repente e se concentraram no naturalista. Naquele homem impulsivo, pálido, com seu chapéu de palha e sua rede de borboletas, tive a impressão de ver alguma coisa terrível, uma criatura de paciência e astúcia infinitas, com um rosto sorridente e um coração assassino.
– É ele, então, o nosso inimigo, foi ele que nos seguiu em Londres?
– Foi assim que decifrei o enigma.
– E o aviso – deve ter vindo dela!
– Exatamente.
A forma de alguma vilania monstruosa, entrevista, meio imaginada, surgiu através da escuridão que havia me rodeado por tanto tempo.
– Mas você tem certeza disso, Holmes? Como você sabe que a mulher é casada com ele?
– Porque ele até agora esqueceu-se de contar a você um trecho verdadeiro de autobiografia por ocasião do primeiro encontro com você, e arrisco-me a dizer que se arrependeu disso muitas vezes. Ele foi diretor de um colégio no norte da Inglaterra. Bem, nada é mais fácil do que seguir a pista de um diretor de colégio. Existem agências escolares por meio das quais se pode identificar qualquer homem que tenha estado na profissão. Uma pequena investigação mostrou-me que um colégio acabou arruinado em circunstâncias atrozes, e que o homem que era o proprietário – o nome era diferente – havia desaparecido com a mulher. As descrições combinam. Quando eu soube que o homem desaparecido se dedicava à entomologia, a identificação ficou completa.
A escuridão estava diminuindo, mas muita coisa ainda estava escondida pelas sombras.
– Se esta mulher é realmente casada com ele, onde entra a sra. Laura Lyons? – perguntei.
– Esse é um dos pontos sobre o qual as suas próprias pesquisas lançaram uma luz. A sua entrevista com ela esclareceu muito a situação. Eu não sabia sobre o planejado divórcio entre ela e seu marido. Nesse caso, considerando Stapleton um homem livre, ela sem dúvida pretendia tornar-se mulher dele.
– E quando ela abrir os olhos?
– Ora, então podemos encontrar uma dama prestativa. Deve ser a nossa primeira tarefa ir vê-la, nós dois, amanhã. Você não acha, Watson, que está longe do seu pupilo há bastante tempo? O seu lugar deve ser na Mansão Baskerville.
As últimas riscas vermelhas haviam desaparecido a oeste, e a noite caíra sobre o pântano. Algumas estrelas desmaiadas estavam brilhando num céu violeta.
– Uma última pergunta, Holmes – eu disse ao me levantar. – Certamente não há nenhuma necessidade de segredo entre mim e você. Qual é o significado disso tudo? O que ele procura?
A voz de Holmes ficou mais baixa quando respondeu.
– É assassinato, Watson, refinado, a sangue-frio, assassinato premeditado. Não me pergunte detalhes. Minhas redes estão se fechando sobre ele, assim como as dele estão sobre sir Henry, e com a sua ajuda ele já está quase à minha mercê. Só há um perigo que pode nos ameaçar. É ele atacar antes de estarmos prontos para fazê-lo. Mais um dia, dois no máximo, e tenho o meu caso completo, mas até lá cuide do seu pupilo tão atentamente quanto uma mãe extremosa vigia seu filho doente. A sua missão hoje está justificada, e apesar disso quase cheguei a desejar que você não tivesse saído do lado dele. Ouça!
Um grito terrível, um brado de horror e angústia, explodiu no silêncio do pântano. Esse grito medonho gelou o sangue em minhas veias.
– Oh, meu Deus! – eu disse, ofegante. – O que é isso? O que significa isso?
Holmes levantara-se de um salto, e vi o seu vulto escuro e atlético na porta da cabana, com os ombros curvados, a cabeça esticada para a frente e os olhos perscrutando a escuridão.
– Silêncio! – ele sussurrou. – Silêncio!
O grito fora alto devido à sua veemência, mas havia ressoado de algum lugar afastado na planície escura. Agora explodia nos nossos ouvidos, mais perto, mais alto, mais urgente do que antes.
– Onde ele está? – sussurrou Holmes, e eu percebi pela excitação da sua voz que ele, o homem de ferro, estava abalado até a alma. – Onde ele está, Watson?
– Lá, eu acho. – Apontei para a escuridão.
– Não, lá!
Novamente o grito de agonia atravessou a noite silenciosa, mais alto e muito mais perto do que nunca. E um novo som misturou-se com ele, um troar sussurrado e profundo, musical e, mesmo assim, ameaçador, aumentando e diminuindo como o murmúrio baixo e constante do mar.
– O cão! – exclamou Holmes. – Venha, Watson, venha! Deus nos livre de chegarmos tarde demais!
Ele tinha começado a correr pelo pântano, e eu o seguia de perto. Mas agora, de algum lugar em meio ao terreno irregular bem à nossa frente, veio um último grito desesperado e depois uma pancada forte e ensurdecedora. Nós paramos e ficamos ouvindo. Nenhum outro som rompeu o silêncio pesado da noite sem vento.
Vi Holmes pôr a mão na testa como um homem distraído. Ele bateu com os pés no chão.
– Ele chegou antes de nós, Watson. Estamos atrasados demais.
– Não, não, com certeza não!