Com pressa febril viramos o corpo de frente, e aquela barba gotejante estava apontada para a lua fria e clara no alto. Não podia haver nenhuma dúvida quanto à testa saliente e aos olhos afundados de animal. Era, de fato, o mesmo rosto que havia olhado ferozmente para mim, à luz da vela, de cima da pedra, o rosto de Selden, o criminoso.
Depois, num instante, tudo ficou claro para mim. Lembrei-me de que o baronete havia me contado que dera o seu velho guarda-roupa a Barrymore. Este o havia passado adiante a fim de ajudar Selden em sua fuga. Botas, camisa, boné, era tudo de sir Henry. A tragédia ainda era terrível, mas este homem havia pelo menos merecido a morte pelas leis do seu país. Contei a Holmes o que acontecera, com o meu coração borbulhando de gratidão e alegria.
– Então as roupas causaram a morte do pobre-diabo – disse ele. – É evidente que o cão foi lançado na pista de algum objeto de sir Henry, provavelmente a bota que foi surrupiada do hotel, e assim descobriu este homem. Mas há uma coisa muito estranha: como foi que Selden, no escuro, soube que o cão estava na sua pista?
– Ele deve ter ouvido alguma coisa.
– Ouvir um cão no pântano não provocaria num homem duro como este condenado esse paroxismo de terror, a ponto de se arriscar a ser recapturado gritando desesperadamente por socorro. Pelos seus gritos, ele deve ter corrido uma longa distância depois de saber que o animal estava na sua pista. Como ele soube?
– Um mistério maior para mim é o motivo por que este cão, supondo que todas as nossas conjecturas estejam corretas...
– Eu não suponho nada.
– Bem, então, por que este cão estava solto esta noite? Suponho que nem sempre ele corra solto pelo pântano. Stapleton não o deixaria ir a menos que tivesse motivos para pensar que sir Henry estaria lá.
– Minha dificuldade é a maior das duas, porque eu acho que teremos muito em breve uma explicação para a sua, ao passo que a minha pode permanecer eternamente um mistério. A questão agora é: o que devemos fazer com o corpo deste pobre-diabo? Não podemos abandoná-lo aqui para as raposas e os corvos.
– Sugiro que o deixemos dentro de uma das cabanas até conseguirmos nos comunicar com a polícia.
– Exatamente. Não tenho dúvida de que você e eu conseguiremos carregá-lo até lá. Ei, Watson, o que é isto? É o próprio homem! Nem uma palavra que revele as suas suspeitas, nem uma palavra, ou meus planos irão por água abaixo.
Um vulto estava se aproximando de nós pelo pântano, e eu vi o brilho vermelho fraco de um charuto. A lua brilhava sobre ele, e pude distinguir a forma agitada e o andar lépido do naturalista. Ele parou quando nos viu, e depois avançou novamente.
– Ora, dr. Watson, não é o senhor, é? O senhor é o último homem que eu esperaria ver aqui no pântano a esta hora da noite. Mas, meu Deus, o que é isto? Alguém ferido? Não, não me diga que é o nosso amigo sir Henry! – Ele passou rapidamente por mim e curvou-se sobre o homem morto. Ouvi uma respiração áspera e o charuto caiu dos seus dedos.
– Quem, quem é este? – ele gaguejou.
– É Selden, o homem que fugiu de Princetown.
Stapleton virou para nós um rosto horrível, mas com um esforço supremo havia superado o seu espanto e o seu desapontamento. Ele olhou rapidamente de Holmes para mim.
– Meu Deus! Que caso mais chocante! Como foi que ele morreu?
– Parece que partiu o pescoço caindo sobre estas pedras. Meu amigo e eu estávamos passeando pelo pântano quando ouvimos um grito.
– Eu ouvi um grito também. Foi isso que me fez sair. Eu estava preocupado com sir Henry.
– Por que com sir Henry em particular? – não pude deixar de perguntar.
– Porque eu havia sugerido que ele fosse lá em casa. Quando não apareceu, fiquei surpreso e naturalmente preocupado com sua segurança quando ouvi gritos no pântano. A propósito – seus olhos desviaram-se outra vez do meu rosto para o de Holmes –, o senhor ouviu mais alguma coisa além de um grito?
– Não – disse Holmes. – O senhor ouviu?
– Não.
– O que quer dizer, então?
– Oh, o senhor conhece as histórias que os camponeses contam sobre um cão fantasma e assim por diante. Dizem que o ouvem à noite no pântano. Eu estava imaginando se tinham ouvido um som assim esta noite.
– Nós não ouvimos nada desse tipo – eu disse.
– E qual é a sua teoria sobre a morte deste pobre homem?
– Não tenho nenhuma dúvida de que a ansiedade e o abandono o fizeram perder a cabeça. Ele correu pelo pântano como um desvairado e acabou caindo aqui e quebrando o pescoço.
– Essa parece a teoria mais razoável – disse Stapleton, e deu um suspiro que julguei indicar seu alívio. – O que acha disso, sr. Sherlock Holmes?
Meu amigo inclinou-se num cumprimento.
– O senhor é rápido na identificação – disse ele.
– Estivemos à sua espera por aqui desde que o dr. Watson chegou. O senhor chegou a tempo de ver uma tragédia.
– Sim, realmente. Não tenho dúvida de que a explicação do meu amigo abrange os fatos. Vou levar uma lembrança desagradável para Londres amanhã.
– Oh, o senhor volta amanhã?
– Essa é a minha intenção.