Estava a vários quilômetros de distância, mas pude ver nitidamente um pontinho preto contra o verde e o cinzento.
– Venha, venha! – exclamou Frankland, ao subir a escada correndo. – O senhor verá com seus próprios olhos e julgará por si mesmo.
O telescópio, um instrumento enorme montado sobre um tripé, estava sobre as folhas de chumbo do telhado. Frankland grudou o olho nele e deu um grito de satisfação.
– Depressa, dr. Watson, depressa, antes que ele passe por cima da colina!
Lá estava ele, realmente, um menino com uma pequena trouxa sobre o ombro, subindo lentamente a colina com esforço. Quando chegou ao topo, vi o vulto misterioso delineado por um instante contra o frio céu azul. Ele olhou em volta com um jeito furtivo e dissimulado, como alguém que receia ser seguido. Depois desapareceu sobre a colina.
– Bem! Estou certo?
– Há um menino, sem dúvida, que parece ter alguma missão secreta.
– E qual é a missão até um policial de condado pode imaginar. Mas eles não ouvirão de mim nem uma palavra, e imponho-lhe a obrigação do segredo, também, dr. Watson. Nem uma palavra! O senhor entende!
– Como quiser.
– Eles têm me tratado de um modo vergonhoso, vergonhosamente. Quando os fatos surgirem no processo Frankland versus Regina, acho que uma onda de indignação percorrerá o país. Nada me convenceria a ajudar a polícia em qualquer sentido. Eles pouco se importariam que fosse eu, em vez da minha efígie, que estes patifes queimassem na estaca. O senhor certamente não está indo embora! O senhor me ajudará a esvaziar a garrafa para comemorar esta grande ocasião!
Mas eu resisti a todos os seus apelos e consegui dissuadi-lo da sua anunciada intenção de me acompanhar até em casa. Fui andando pela estrada enquanto os olhos dele me seguiam, e depois entrei pelo pântano e me dirigi para a colina rochosa sobre a qual o menino havia desaparecido. Tudo estava agindo a meu favor, e jurei que não seria por falta de energia ou perseverança que eu perderia a oportunidade que o destino havia lançado no meu caminho.
O sol já estava se pondo quando cheguei ao alto da colina, e as longas encostas abaixo estavam verde-douradas de um lado e cinzentas do outro. Uma neblina baixa pairava sobre o horizonte distante, do qual se projetavam as formas fantásticas dos Picos Rochosos de Belliver e Vixen. Na vasta extensão não havia nenhum som e nenhum movimento. Uma grande ave cinzenta, uma gaivota ou um maçarico, pairava no espaço azul do céu. Ela e eu parecíamos ser as únicas coisas vivas entre a abóbada enorme do céu e o deserto abaixo. O cenário árido, a sensação de isolamento e mistério e a urgência da minha tarefa provocaram um calafrio no meu coração. O menino não podia ser visto em lugar nenhum. Mas abaixo de mim, numa fenda das colinas, havia um círculo de antigas cabanas de pedra, e no meio delas havia uma que conservava uma cobertura suficiente para servir como proteção contra o vento. Meu coração deu um salto quando a vi. Este devia ser o abrigo onde o estranho se escondia. Por fim meu pé estava no limiar do seu esconderijo, seu segredo estava ao meu alcance.
Quando me aproximei da cabana, caminhando com tanto cuidado quanto Stapleton teria ao se aproximar da borboleta escolhida com a rede preparada, certifiquei-me de que o lugar havia realmente sido usado como habitação. Um caminho impreciso por entre as rochas levava até a abertura dilapidada que servia de porta. Tudo estava em silêncio lá dentro. O desconhecido podia estar escondido ali ou podia estar vagando pelo pântano. Meus nervos vibravam com a sensação de aventura. Jogando meu cigarro para o lado, segurei a coronha do revólver, fui rapidamente até a porta e olhei para dentro. O lugar estava vazio.
Mas havia muitos sinais de que eu não seguira um rastro falso. Ali era certamente o lugar onde o homem morava. Alguns cobertores enrolados num impermeável estavam sobre aquela mesma laje de pedra na qual o homem neolítico certa vez dormira. As cinzas de uma fogueira estavam amontoadas numa grade rústica. Ao lado dela havia alguns utensílios de cozinha e um balde com água pela metade. Uma confusão de latas vazias mostrava que o lugar havia sido ocupado por algum tempo, e vi, quando meus olhos ficaram acostumados à luz fraca, uma canequinha e uma garrafa pela metade de aguardente colocadas num canto. No meio da cabana, uma pedra chata servia de mesa, e sobre ele estava uma pequena trouxa de pano, a mesma, sem dúvida, que eu vira pelo telescópio no ombro do menino. Continha um pedaço de pão, uma língua em lata e duas latas de pêssegos em conserva. Quando as deixei novamente no lugar, após tê-las examinado, meu coração deu um pulo ao ver que embaixo havia uma folha de papel com algo escrito. Peguei-a, e foi isto o que li, rabiscado toscamente a lápis:
O dr. Watson foi até Coombe Tracey.