— Voc^e compreende portanto que eu cheguei a esta conclus~ao: Fim: a sociedade anarquista, a sociedade livre; meio: a passagem,
«Ora a'i tem voc^e por que e como eu me tornei anarquista, e por que e como rejeitei, como falsas e antinaturais, as outras doutrinas sociais de menor ousadia.
«E pronto… Vamos l'a a continuar a minha hist'oria.
Fez explodir um f'osforo, e acendeu lentamente o charuto. Concentrou-se, e da'i a pouco prosseguiu.
— Havia v'arios outros rapazes com as mesmas opini~oes que eu. A maioria era de oper'arios, mas havia um ou outro que o n~ao era; o que todos 'eramos era pobres, e, que me lembre, n~ao 'eramos muito est'upidos. A gente tinha uma certa vontade de se instruir, de saber coisas, e ao mesmo tempo uma vontade de propaganda, de espalhar as nossas ideias. Quer'iamos para n'os e para os outros — para a humanidade inteira — uma sociedade nova, livre destes preconceitos todos, que fazem os homens desiguais artificialmente e Ihes imp~oem inferioridades, sofri-mentos, estreitezas, que a Natureza lhes n~ao tinha imposto! Por mim, o que eu lia confirmava-me nestas opini~oes. Em livros libert'arios baratos — os que havia ao tempo, e eram j'a bastantes — li quase tudo. Fui a confer^encias e comicios dos propagandistas do tempo. Cada livro e cada discurso me convenc'ia mais da certeza e da justica das minhas ideias. O que eu pensava ent~ao — repito-lhe, meu amigo — 'e o que pens'o hoje; a 'unica diferenca 'e que ent~ao pensava-o s'o, e hoje penso-o e pratico-o.
— Pois sim; isso, at'e onde vai, est'a muito bem. Est'a muito certo que voc^e se tornasse anarquista assim, e vejo perfeitamente que voc^e era anarquista. N~ao preciso mais provas disso. O que eu quero saber 'e como 'e que da'i saiu o banqueiro…, como 'e que saiu da'i sem contradigo… Isto 'e, mais ou menos j'a calculo…
— N~ao, n~ao calcula nada… Eu sei o que voc^e quer dizer… Voc^e baseia-se nos argumentos que me acaba de ouvir, e julga que eu achei o anarquismo irrealiz'avel e por isso, como lhe disse, s'o defens'avel e justa a sociedade burguesa — n~ao 'e?
— Sim, calculei que fosse mais ou menos isso…
— Mas como o podia ser, se desde o princ'ipio da conversa lhe tenho dito e repetido que
— Sim, voc^e tem raz~ao… Mas ent~ao com os diabos…? V'a l'a, v'a dizendo…
— Como lhe disse, eu era (fui sempre) mais ou menos l'ucido, e tamb'em um homem de acc~ao. Essas s~ao qualidades naturais; n~ao mas puseram no berco (se
«O que quer o anarquista? A liberdade — a liberdade para si e para os outros, para a humanidade inteira. Quer estar livre da influ^encia ou da press'ao das ficc~oes sociais; quer ser livre tal qual nasceu e apareceu no mundo, que 'e como em justica deve ser; e quer essa liberdade para si e para todos os mais. Nem todos podem ser iguais perante a Natureza: uns nascem altos, outros baixos; uns fortes, outros fracos; uns mais inteligentes, outros menos… Mas todos podem ser iguais da'i em diante; s'o as ficc~oes sociais o evitam. Essas ficc~oes sociais 'e que era preciso destruir.