– Não – concordou Davos. – Não devia. – Outro ataque de tosse dominou-o na hora em que lutava para ficar de joelhos.
– Está mal? – o garoto pegou-o pelo braço e ajudou-o a se levantar. – Devo chamar o meistre?
Davos balançou a cabeça.
– É uma tosse. Vai passar.
O garoto não pensou mais no assunto.
– Estávamos brincando de monstros e donzelas – explicou. – Eu era o monstro. É um jogo infantil, mas a minha prima gosta dele. Tem um nome?
– Sor Davos Seaworth.
O rapaz olhou-o de cima a baixo com ar de dúvida.
– Tem certeza? Não parece muito cavalheiresco.
– Sou o cavaleiro das cebolas, senhor.
Os olhos azuis pestanejaram.
– O do navio negro?
– Conhece essa história?
– Trouxe ao meu tio Stannis peixe para comer antes de eu nascer, quando Lorde Tyrell o tinha cercado. – O rapaz ficou ereto. – Sou Edric Storm – anunciou. – Filho do Rei Robert.
– Claro que é. – Davos compreendera quase de imediato. O rapaz possuía as orelhas proeminentes de um Florent, mas os cabelos, os olhos, o maxilar, os malares eram todos Baratheon.
– Conheceu meu pai? – quis saber Edric Storm.
– Vi-o muitas vezes quando visitava seu tio na corte, mas nunca conversamos.
– Meu pai me ensinou a lutar – disse orgulhosamente o rapaz. – Vinha me visitar quase todos os anos, e às vezes treinávamos juntos. No último dia de meu nome mandou-me um martelo de guerra igualzinho ao dele, só que menor. Mas me obrigaram a deixá-lo em Ponta Tempestade. É verdade que meu tio Stannis cortou seus dedos?
– Só a ponta. Ainda tenho dedos, só que mais curtos.
– Mostre.
Davos tirou a luva. O rapaz estudou sua mão com atenção.
– Ele não encurtou seu polegar?
– Não. – Davos tossiu. – Não, o polegar deixou inteiro.
– Não devia ter cortado nenhum de seus dedos – decidiu o rapaz. – Isso foi errado.
– Eu era um contrabandista.
– Sim, mas contrabandeou peixe e cebolas para ele.
– Lorde Stannis fez-me cavaleiro pelas cebolas e cortou meus dedos pelo contrabando. – Vestiu as luvas.
– Meu pai não teria cortado seus dedos.
– Como quiser, senhor. –
O garoto preparava-se para dizer mais alguma coisa quando ouviram passos. Davos virou-se. Sor Axell Florent descia o caminho do jardim com uma dúzia de guardas com gibões acolchoados. Ao peito traziam o coração flamejante do Senhor da Luz.
Sor Axell era baixo e musculoso, com abdome em forma de barril, braços fortes, pernas arqueadas, e pelos que cresciam em suas orelhas. Tio da rainha, tinha servido durante uma década como castelão de Pedra do Dragão, e sempre havia tratado Davos com cortesia, sabendo que ele desfrutava da predileção de Lorde Stannis. Mas não havia nem cortesia nem calor no tom de sua voz quando disse:
– Sor Davos, e não afogado. Como isso é possível?
– As cebolas flutuam, sor. Veio para me levar ao rei?
– Vim para levá-lo até a masmorra. – Com um gesto, Sor Axell mandou os homens avançarem. – Capturem-no e retirem a adaga dele. Ele pretende usá-la contra a nossa senhora.
JAIME
Jaime foi o primeiro a ver a estalagem. O edifício principal cingia a margem sul no local onde o rio virava, com as longas e baixas janelas estendendo-se ao longo da água como que para abraçar os viajantes que velejavam seguindo a corrente. O andar inferior era de pedra cinza, o superior, de madeira caiada, o telhado, de ardósia. Também via estábulos, e um caramanchão repleto de trepadeiras.
– Não há fumaça nas chaminés – destacou quando se aproximaram. – Nem luzes nas janelas.
– A estalagem ainda estava aberta da última vez que passei por aqui – disse Sor Cleos Frey. – Fermentavam uma boa cerveja. Talvez ainda haja um pouco na adega.
– Pode haver gente – disse Brienne. – Escondida. Ou morta.
– Assustada por meia dúzia de cadáveres, garota? – indagou Jaime.
Ela o atravessou com os olhos.
– Meu nome é...
– ... Brienne, sim. Não gostaria de dormir numa cama por uma noite, Brienne? Estaríamos mais seguros do que em rio aberto, e pode ser prudente descobrir o que aconteceu aqui.
Ela não respondeu, mas após um momento moveu a cana do leme para virar o esquife na direção da gasta doca de madeira. Sor Cleos baixou desajeitadamente a vela. Quando bateram suavemente no cais, saltou para fora do barco para amarrá-lo. Jaime escalou atrás dele, de forma desastrada, por causa das correntes.
Na extremidade da doca, uma telha lascada de madeira pendia de um poste de ferro, pintada com a imagem de um rei de joelhos, com as mãos unidas num gesto de lealdade. Jaime deu uma olhada para ela e riu alto.
– Não poderíamos ter encontrado estalagem melhor.
– Este é algum lugar especial? – perguntou a garota, desconfiada.
Sor Cleos respondeu.