– A senhora fazia costura num dia de chuva – cantava Marillion –, tralolé, tralolé, tralolélolá...
– Abra a porta – ordenou Lysa. – Estou dizendo para abri-la. Vai abri-la, senão mando chamar os meus guardas. – Empurrou Sansa em frente. – Sua mãe pelo menos era corajosa. Levante as trancas.
Se eu fizer o que ela diz, vai me largar. Sansa agarrou uma das barras de bronze, soltou-a com um puxão e atirou-a ao chão. A segunda barra retiniu no mármore, seguida pela terceira. Mal tinha tocado no trinco quando a pesada porta de madeira voou para dentro e bateu com estrondo na parede. Um monte de neve estava empilhado na soleira, e todo ele foi soprado contra elas, trazido numa explosão de ar frio que deixou Sansa tremendo. Tentou dar um passo para trás, mas aí encontrava-se a tia. Lysa pegou-a pelo pulso e pôs a outra mão entre as suas omoplatas, empurrando-a à força para a porta aberta.
Atrás da porta havia céu branco, neve caindo e nada mais.
– Olhe para baixo – disse a Senhora Lysa. – Olhe para baixo.
Tentou se libertar, mas os dedos da tia enterravam-se em seu braço como garras. Lysa deu-lhe outro empurrão, e Sansa soltou um guincho. O pé esquerdo atravessou uma crosta de neve e soltou-a. Nada havia à sua frente além de ar vazio, e um castelo intermediário cento e oitenta metros abaixo, agarrando-se ao flanco da montanha.
– Não! – gritou Sansa. – Está me assustando! – Atrás dela, Marillion continuava a tocar a harpa e a cantar “tralolé, tralolé, tralolélolá”.
– Ainda quer licença para ir embora? Quer?
– Não. – Sansa fez pressão com os pés no chão e tentou contorcer-se para trás, mas a tia não se moveu. – Dessa maneira não. Por favor... – Ergueu uma mão, procurando com os dedos o batente da porta, mas não conseguiu encontrar um apoio, e os pés estavam escorregando no chão úmido de mármore. A Senhora Lysa empurrava-a inexoravelmente para a frente. A tia tinha mais de vinte quilos a mais do que ela.
– A senhora trocava beijos num monte de feno – estava cantando Marillion. Sansa torceu-se para o lado, histérica de medo, e um pé escorregou por sobre a borda. Gritou. – Tralolé, tralolé, tralolélolá. – O vento levantou suas saias e mordeu suas pernas nuas com dentes frios. Sentia flocos de neve derretendo nas bochechas. Sansa esbracejou, encontrou a grossa trança ruiva de Lysa e agarrou-se bem nela.
– Meu cabelo! – guinchou a tia. – Largue meu cabelo! – Estava tremendo, soluçando. As duas vacilaram na borda do precipício. Muito longe, ouviu os guardas baterem na porta com as lanças, exigindo que os deixassem entrar. Marillion interrompeu a canção.
– Lysa! O que significa isso? – o grito cortou através dos soluços e da respiração pesada. Passos ecoaram ao longo do Alto Salão. – Saia daí. Lysa, o que você está fazendo? – os guardas continuavam a bater à porta; Mindinho tinha entrado pelo fundo, pela entrada do senhor que se abria atrás do estrado.
Quando Lysa se virou, suas mãos fraquejaram o suficiente para que Sansa se libertasse. Caiu sobre os joelhos, e Petyr Baelish viu-a. Parou subitamente.
– Alayne. Qual é o problema aqui?
– É ela. – A Senhora Lysa agarrou uma madeixa dos cabelos de Sansa. – O problema é ela. Ela beijou-o.
– Diga-lhe – suplicou Sansa. – Diga-lhe que estávamos só construindo um castelo...
– Cale-se! – gritou a tia. – Não lhe dei licença para falar. Seu castelo não interessa a ninguém.
– Ela é uma criança, Lysa. A filha de Cat. O que você acha que estávamos fazendo?
– Eu ia casá-la com Robert! Não tem gratidão. Não tem... não tem decência. Você não é dela para que o beije. Não é dela! Estava lhe dando uma lição, só isso.
– Estou vendo. – Mindinho afagou o queixo. – Acho que ela compreende agora. Não é verdade, Alayne?
– Sim – soluçou Sansa. – Compreendo.
– Não a quero aqui. – Os olhos da tia estavam brilhantes de lágrimas. – Por que foi que a trouxe para o Vale, Petyr? Este não é o seu lugar. Não pertence a este lugar.
– Sendo assim, mandamo-la embora. De volta a Porto Real, se quiser. – Deu um passo na direção delas. – Agora largue-a. Deixe-a afastar-se da porta.
– NÃO! – Lysa deu outro puxão na cabeça de Sansa. Neve rodopiou em volta delas, fazendo com que as saias esvoaçassem ruidosamente. – Não pode desejá-la. Não pode. Ela é uma garotinha estúpida de cabeça oca. Não o ama como eu o tenho amado. Eu sempre o amei. Já demonstrei isso, não foi? – lágrimas escorreram por seu rosto inchado e vermelho. – Eu dei a você o presente de minha virgindade. Teria dado também um filho, mas eles assassinaram-no com chá de lua, com tanásia, menta e losna, uma colher de mel e uma gota de poejo. Não fui eu, eu nunca soube, só bebi o que o pai me deu...