A tia Lysa. A ideia deixou em Arya uma sensação de vazio. Era a mãe que desejava, não a irmã da mãe. Não conhecia melhor a tia Lysa do que o tio-avô Peixe Negro.
– Devíamos voltar – decidiu de repente. – Devíamos voltar para as Gêmeas e ir buscar a minha mãe. Ela não pode estar morta. Temos de ajudá-la.
– Achava que era a sua irmã quem tinha a cabeça cheia de canções – rosnou o Cão de Caça. – O Frey podia ter mantido a sua mãe viva para obter um resgate, isso é verdade. Mas não há uma chance nos sete infernos de eu conseguir arrancá-la sozinho do seu castelo.
– Sozinho não. Eu também iria.
Ele soltou um som que era quase uma gargalhada.
–
– Você só tem medo de morrer! – disse ela com uma expressão de escárnio.
Agora Clegane riu
– A morte não me assusta. Só o fogo. Agora veja se fica quieta, senão eu mesmo corto sua língua e poupo as irmãs silenciosas da chatice. Para nós é o Vale.
Não parecia a Arya que ele realmente cortaria sua língua; estava apenas dizendo aquilo como o Olho-Vermelho costumava dizer que bateria nela até tirar sangue. Fosse como fosse, não iria pô-lo à prova. Sandor Clegane não era nenhum Olho-Vermelho. O Olho-Vermelho não cortava gente ao meio nem batia nela com machados. Nem mesmo com a parte romba dos machados.
Naquela noite adormeceu pensando na mãe e perguntando a si mesma se deveria matar Cão de Caça enquanto dormia e salvar ela mesma a Senhora Catelyn. Quando fechou os olhos, viu o rosto da mãe na parte de dentro das pálpebras.
... e então
Também lá estavam os corvos, gritando contra os lobos e enchendo o ar de penas. O sangue deles era mais quente, e uma de suas irmãs abocanhou um ao levantar voo, apanhando-o por uma asa. Aquilo fez com que também desejasse um corvo. Queria sentir o sabor do sangue, ouvir os ossos se esmagando entre seus dentes, encher a barriga com carne quente em vez de fria. Tinha fome e havia carne por toda a volta, mas sabia que não podia comer.
O cheiro agora era mais forte. Levantou as orelhas e escutou os rosnados da alcateia, os guinchos de corvos irritados, o sussurro das asas e o som da água corrente. Ouviu sons de cavalos e os gritos dos vivos vindos de algum lugar a distância, mas não eram eles que importavam. Só o odor importava. Voltou a farejar o ar. Ali estava ele, e agora também via a sua origem, algo pálido à deriva no rio, virando-se quando roçava por um obstáculo submerso. Os juncos faziam reverências à sua frente.
Chapinhou ruidosamente pelos baixios e atirou-se em águas mais profundas, batendo as patas. A correnteza era forte, mas ela era mais. Nadou, seguindo o nariz. Os cheiros do rio eram ricos e úmidos, mas não eram esses que a atraíam. Nadou atrás do vivo sussurro rubro do sangue frio, do fedor enfastiante e doce da morte. Perseguiu-os como perseguira frequentemente um veado vermelho por entre as árvores, e por fim apanhou-os e suas mandíbulas fecharam-se em volta de um braço pálido. Sacudiu-o para obrigá-lo a se mexer, mas havia apenas morte e sangue em sua boca. Começava a se cansar, e foi com dificuldade que puxou o cadáver para a terra. Enquanto o arrastava para a margem lamacenta, um de seus irmãos menores veio investigar, com a língua saindo da boca. Teve de rosnar para afastá-lo, caso contrário ele teria comido. Só então parou para sacudir a água do pelo. A coisa branca jazia de bruços na lama, com a carne morta enrugada e pálida e sangue frio pingando de sua garganta.