– Dispare flechas suficientes e pode ser que acerte alguns. Pelo menos vai deixá-los inquietos. – Olhou em volta do círculo de rostos iluminados pelo fogo. – Preciso de dois arcos e de duas lanças para me ajudar a defender o túnel, caso eles consigam quebrar o portão. – Mais de dez deram um passo adiante, e o ferreiro escolheu seus quatro. – Jon, a Muralha é sua até eu voltar.
Por um momento Jon julgou ter ouvido mal. Parecera que Noye estava deixando-o no comando.
– Senhor?
–
– Sim – conseguiu dizer.
Mais tarde Jon Snow teria a sensação de aquela noite ter sido um sonho. Lado a lado com os soldados de palha, com arcos e bestas apertados em mãos meio congeladas, seus arqueiros atiraram uma centena de nuvens de flechas contra homens que não chegavam a ver. De tempos em tempos uma flecha dos selvagens surgia em resposta. Enviou homens para as catapultas menores e encheu o ar com pedras angulosas do tamanho de um punho de gigante, mas a escuridão engolia-as como um homem poderia engolir um punhado de nozes. Mamutes bramiam nas trevas, estranhas vozes gritavam em línguas ainda mais estranhas, e o Septão Cellador rezava pela chegada da alvorada tão alto e com uma voz tão ébria que Jon se sentiu tentado a atirá-lo ele mesmo da Muralha. Ouviram um mamute morrendo bem abaixo deles e viram outro arremetendo pela floresta, ardendo, esmagando tanto homens como árvores. O vento soprava cada vez mais frio. Hobb foi içado com taças de caldo de cebolas e Owen e Clydas serviram-nas aos arqueiros em seus postos, para que pudessem emborcá-las entre flechas. Zei ocupou um lugar entre eles com a sua besta. Horas de repetidos abalos e choques soltaram qualquer coisa no trabuco da direita, e seu contrapeso libertou-se, súbita e catastroficamente, torcendo o braço de arremesso para o lado e estilhaçando-o. O trabuco da esquerda continuou a arremessar, mas os selvagens tinham aprendido depressa a evitar a zona onde suas cargas caíam.
Donal Noye não voltou, assim como os outros que o acompanharam a fim de defender aquele túnel negro e frio.
Quando a manhã chegou, a princípio nenhum deles notou. O mundo continuava escuro, mas o negro transformara-se em cinza e silhuetas entrevistas começavam a emergir das sombras. Jon baixou o arco para fitar a massa de pesadas nuvens que cobria o céu oriental. Via um brilho atrás delas, mas talvez estivesse apenas sonhando. Encaixou mais uma flecha.
Então o sol nascente penetrou por entre as nuvens e arremessou pálidas lanças no quilômetro de terra limpa que se estendia entre a Muralha e o limite da floresta. Em metade de uma noite tinham-na transformado num deserto de grama enegrecida, piche borbulhante, pedra estilhaçada e cadáveres. A carcaça do mamute queimado já começava a atrair corvos. Havia também gigantes mortos no chão, mas atrás deles...
Alguém gemeu à sua esquerda, e ouviu o Septão Cellador dizer:
– Que a Mãe tenha piedade de nós, oh. Oh, oh, oh,