Toda vez que olhava para trás quase esperava ver um clarão de archotes reluzindo pelos distantes portões de Harrenhal, ou correndo ao longo do topo das enormes muralhas do castelo, mas nada se via. Harrenhal continuou dormindo, até se perder na escuridão e ficar escondido atrás das árvores.
Quando cruzaram o primeiro riacho, Arya virou o cavalo para o lado e levou-os para fora da estrada, seguindo o sinuoso curso de água ao longo de um quarto de milha até, por fim, subir uma margem pedregosa. Esperava que, se os perseguidores trouxessem cães, isso talvez os fizesse perder o rastro. Não podiam ficar na estrada.
Gendry e Torta Quente não questionaram sua escolha. Afinal de contas, ela tinha o mapa, e Torta Quente parecia quase tão aterrorizado por ela quanto pelos homens que podiam vir atrás deles. Ele vira o guarda que ela matara.
Sabia que devia estar mais assustada do que estava. Tinha só dez anos, uma garotinha magricela num cavalo roubado com uma floresta escura à sua frente e atrás dela homens que, de bom grado, cortariam seus pés. Mas, sem saber por quê, sentia-se mais calma do que jamais se sentira em Harrenhal. A chuva tinha lavado de seus dedos o sangue do guarda, trazia uma espada a tiracolo, havia lobos percorrendo as trevas como esguias sombras cinzentas, e Arya Stark não tinha medo.
A chuva parou, recomeçou e voltou a parar e a recomeçar, mas tinham bons mantos para deixar a água afastada. Arya manteve-os em movimento a um ritmo lento e regular. Estava escuro demais sob as árvores para avançar mais depressa; os rapazes não eram cavaleiros, nenhum dos dois, e o terreno fofo e acidentado era traiçoeiro, cheio de raízes semienterradas e pedras escondidas. Atravessaram outra estrada, cujos profundos sulcos estavam cheios de água, mas Arya evitou-a. Levou-os para cima e para baixo ao longo das colinas arredondadas, através de arbustos, espinheiros e emaranhados de vegetação rasteira, pelo fundo de barrancos estreitos, onde galhos pesados de folhas úmidas estapeavam seus rostos quando passavam.
A égua de Gendry perdeu uma vez o equilíbrio na lama, caindo com força sobre os quartos traseiros e derrubando-o da sela, mas nem cavalo nem cavaleiro se feriram, e Gendry fez aquela sua expressão teimosa e logo voltou a montar. Não muito tempo depois, se depararam com três lobos que devoravam o cadáver de um veado jovem. Quando o cavalo de Torta Quente detectou o cheiro, espantou-se e fugiu. Dois dos lobos fugiram também, mas o terceiro ergueu a cabeça e mostrou os dentes, preparado para defender a caça.
– Recua – disse Arya a Gendry. – Devagar, para não assustá-lo. – Desviaram as montarias até que o lobo e seu banquete ficaram fora de vista. Foi só então que ela deu meia-volta para ir no encalço de Torta Quente, que se agarrava desesperadamente à sela enquanto avançava por entre as árvores.
Mais tarde, passaram por uma aldeia incendiada, abrindo caminho com cuidado por entre as paredes vazias de choupanas enegrecidas e junto aos ossos de uma dúzia de mortos enforcados numa fileira de macieiras. Quando Torta Quente os viu, começou a rezar, sussurrando uma frágil súplica pela misericórdia da Mãe, repetindo-a uma e mais outra vez. Arya ergueu os olhos para os mortos descarnados em suas roupas molhadas e putrefatas e pronunciou sua própria prece.
Esse foi o dia sem alvorada. Lentamente, o céu foi clareando ao redor deles, mas nunca chegaram a ver o sol. O negro transformou-se em cinza, e as cores retornaram timidamente ao mundo. Os pinheiros marciais vestiam-se de verdes sombrios, as árvores de folha caduca, de vermelhos escuros e dourados desvanecidos, que já começavam a ficar amarronzados. Pararam tempo suficiente para dar água aos cavalos e comer um café da manhã rápido e frio, desfazendo um dos pães que Torta Quente tinha roubado da cozinha, e passando de mão em mão nacos duros de queijo amarelo.
– Sabe para onde vamos? – perguntou-lhe Gendry.
– Para o norte – disse Arya.