Os incêndios crepitaram ao longo de toda a noite, e a dada altura ouviu-se um grande rugido e um estrondo que fez a terra saltar sob suas patas. Cães ladraram e ganiram, e cavalos relincharam de terror. Uivos trementes perfuraram a noite; os uivos da matilha humana, gemidos de medo e gritos selvagens, risos e berros. Não havia animal mais barulhento do que o homem. Levantou as orelhas e escutou, e seu irmão rosnou a cada som que ouvia. Caminharam sob as árvores enquanto um vento cheirando a pinheiro soprava cinzas e fagulhas pelo céu. Com o tempo, as chamas começaram a se atenuar, e depois desapareceram. O sol nasceu cinzento e fumacento naquela manhã.
Só então deixou as árvores, atravessando lentamente os campos. O irmão o seguia, atraído pelo cheiro do sangue e da morte. Caminharam em silêncio pelas tocas que os homens tinham construído de madeira, mato e lama. Muitas estavam queimadas, e tinham ruído, outras estavam como antes. Mas não viram ou cheiraram um homem vivo em parte alguma. Corvos cobriam os cadáveres como mantas e saltavam para o ar, gritando, quando ele e o irmão se aproximavam. Os cães selvagens escapuliam para fora de seu caminho.
À sombra das grandes colinas cinzentas, um cavalo morria ruidosamente, lutando para se pôr em pé sobre uma pata quebrada e gritando quando caía. O irmão o rodeou, e então rasgou sua garganta enquanto o cavalo escoiceava debilmente e revirava os olhos. Quando se aproximou da carcaça, o irmão tentou mordê-lo e achatou as orelhas sobre o crânio, ele desferiu uma patada e mordeu sua perna. Lutaram sobre a relva, a terra e as cinzas que caíam do céu, ao lado do cavalo morto, até que o irmão rolou sobre as costas em submissão, com a cauda entre as pernas. Mais uma mordida na garganta virada para cima; e então comeu, e deixou que o irmão comesse e limpasse com a língua o sangue que manchara seus pelos negros.
A essa altura, já se sentia atraído pelo lugar escuro, a casa dos sussurros onde todos os homens eram cegos. Conseguia sentir os dedos frios dessa casa em seu corpo. Seu cheiro de pedra era um sussurro que entrava por seu focinho. Lutou contra a atração. Não gostava da escuridão. Era lobo. Era caçador e matador, e seu lugar era junto dos irmãos e irmãs no âmago da floresta, correndo, livre, sob um céu estrelado. Sentou-se sobre os quartos traseiros, ergueu a cabeça e uivou.
–
Fechou o terceiro olho e abriu os outros dois, os dois olhos antigos, os dois olhos cegos. No lugar escuro, todos os homens eram cegos. Mas alguém o segurava. Sentia braços à sua volta, o calor de um corpo aconchegado ao dele. Ouvia Hodor cantando “Hodor, hodor, hodor” em voz baixa, para si mesmo.
– Bran? – era a voz de Meera. – Estava se debatendo, fazendo ruídos terríveis. O que viu?
– Winterfell – sentia a língua estranha e grossa dentro da boca.
Sentiu a mão dela no rosto, afagando seu cabelo para trás.
– Está todo suado – a menina disse. – Precisa de uma bebida?
– Uma bebida – ele concordou. Ela levou-lhe um odre aos lábios, e Bran engoliu tão depressa que a água escorreu pelo canto da sua boca. Estava sempre fraco e sedento quando voltava. E também com fome. Lembrou-se do cavalo moribundo, do sabor do sangue na boca, do cheiro da carne queimada no ar da manhã. – Quanto tempo?
– Três dias – Jojen respondeu. O rapaz tinha se aproximado em pés silenciosos, ou talvez tivesse estado sempre ali; naquele mundo cego e negro, Bran não saberia dizer. – Tivemos medo por você.
– Estava com Verão – Bran lembrou.
– Tempo demais. Vai se matar de fome. Meera pôs um pouco de água em sua garganta, e besuntamos sua boca com mel, mas não é o suficiente.
– Eu comi – Bran respondeu. – Caçamos um alce e tivemos de afastar um gato-das-árvores que tentou roubá-lo – o gato era marrom e amarelado, só com metade do tamanho dos lobos gigantes, mas feroz. Recordou-se do seu cheiro almiscarado e do modo como lhes rugira do galho do carvalho.
– O lobo comeu – Jojen o corrigiu. – Você não. Tenha cuidado, Bran. Lembre-se de quem é.