– Ficará a salvo, senhor?
– Bem, quanto a isso, capitão, quando deixei a estalagem, esta manhã, estava cheia de Orelhas Negras. Nunca se está propriamente a salvo quando Chella, filha de Cheyk, se encontra por perto – Tyrion bamboleou na direção da porta, deixando Vylarr sozinho, tentando compreender aquela resposta.
Uma rajada de alegria o acolheu quando entrou na sala comum da estalagem. Reconheceu o riso gutural de Chella, e a música mais leve da risada de Shae. A moça estava sentada perto da lareira, bebendo vinho, em uma mesa redonda de madeira, com três dos Orelhas Negras, que Tyrion havia deixado guardando-a, e um homem rechonchudo que estava de costas para a porta. Pensou que fosse o estalajadeiro… Até que Shae chamou Tyrion pelo nome, e o intruso se ergueu.
– Meu bom senhor, estou
Tyrion tropeçou.
– Lorde Varys. Não esperava encontrar você aqui –
– Perdoe-me a intromissão – disse Varys. – Fui tomado por uma súbita vontade de conhecer sua jovem senhora.
– Jovem senhora – repetiu Shae, saboreando as palavras. – Está meio certo, senhor. Sou jovem.
– Receio que seja eu o intruso, Lorde Varys – disse com uma cortesia forçada. – Quando entrei, estavam no meio de algo muito divertido.
– O senhor Varys elogiou Chella pelas orelhas e disse que deve ter matado muitos homens para ter um colar tão bonito – Shae explicou. Tyrion ficou irritado ao ouvi-la chamar Varys de
– É mais valente deixar o homem vivo, com chance de lavar a humilhação se reconquistar a orelha – explicou Chella, uma pequena mulher escura, cujo macabro colar pendia sob o peso de nada menos que quarenta e seis orelhas secas e enrugadas. Tyrion contara-as uma vez. – Só assim pode provar que não teme os seus inimigos.
Shae soltou uma gargalhada.
– E, então, o senhor diz que se fosse um Orelha Negra nunca dormiria, por causa dos sonhos com homens sem uma orelha.
– Um problema que eu nunca precisarei encarar – Tyrion retrucou. – Os meus inimigos me aterrorizam, portanto mato todos.
Varys soltou um risinho.
– Toma um pouco de vinho conosco, senhor?
– Tomo um pouco de vinho.
Tyrion sentou-se ao lado de Shae. Compreendia o que estava acontecendo ali, ainda que Chella e a moça não. Varys entregava uma mensagem. Quando disse:
– Gosto sempre de voltar à cidade pelo Portão dos Deuses – disse Varys a Shae, enquanto enchia as taças de vinho. – As esculturas na guarita são magníficas, fazem-me chorar sempre que as vejo. Os olhos… tão expressivos, não acha? Quase parecem nos seguir quando passamos por baixo da porta levadiça.
– Nunca reparei, senhor – Shae respondeu. – De manhã volto a olhar, se quiser.
– Tenha cuidado, menina – advertiu Varys. – Porto Real não está totalmente seguro nos dias que correm. Conheço bem estas ruas, e, no entanto, quase tive medo de vir hoje até aqui, só e desarmado como estou. Há homens sem lei por todo lado nesses tempos escuros, ah, sim. Homens com aço frio e corações mais frios ainda –
Shae limitou-se a rir.
– Se tentarem me incomodar, ficarão com uma orelha a menos quando Chella botá-los para correr.
Varys riu como se aquilo fosse a coisa mais divertida que já tivesse ouvido, mas não havia riso nos seus olhos quando os virou para Tyrion.