Tampouco adiantava desaparecer: as pessoas entenderiamtal gesto como um retiro ao deserto, uma ascensão aos céus, umaviagem ao encontro de mestres secretos que vivem no Himalaia, eficariam sempre esperando sua volta. As lendas cresceriam ao seuredor, e possivelmente seria formado um culto em torno de suapessoa. Começamos a notar isso quando ela deixou de freqüentarPortobello; meus informantes diziam que, ao contrário do que todomundo pensava, seu culto estava aumentando de maneiraassustadora: outros grupos semelhantes começaram a ser criados,pessoas apareciam como “herdeiras” de Hagia Sofia, sua fotopublicada no jornal, com o menino nos braços, era vendida demaneira secreta, mostrando-a como uma vítima, uma mártir daintolerância. Ocultistas começaram a falar de uma “Ordem deAthena”, onde se conseguia — depois de algum pagamento — umcontato com a fundadora.
Portanto, só restava a “morte”. Mas em circunstânciasabsolutamente normais, como qualquer pessoa que terminaencontrando o fim dos seus dias nas mãos de um assassino em umagrande cidade. Isso nos obrigava a uma série de precauções:A] o crime não poderia estar associado ao martírio porrazões religiosas, porque a situação que estávamos tentandoevitar seria agravada;
B] a vítima deveria estar em condições que não pudesseser reconhecida;
C] o assassino não poderia ser preso;
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D] precisaríamos de um cadáver.
Em uma cidade como Londres, todos os dias temos gentemorta, desfigurada, queimada — mas normalmente terminamos porprender o criminoso. De modo que foi preciso esperar quase doismeses até o ocorrido em Hampstead. Também neste caso terminamospor encontrar o assassino, mas ele estava morto — viajara paraPortugal e se suicidara com um tiro na boca. A justiça estavafeita, e tudo que eu precisava era um pouco de cooperação deamigos mais próximos. Uma mão lava a outra, eles às vezes mepedem coisas que também não são muito ortodoxas, e desde quenenhuma lei importante seja quebrada, existe — digamos — umacerta flexibilidade de interpretação.