Ela irá me perguntar, depois: “por que fez isso?”
E eu lhe responderei: “porque precisava compreendê-
la”. Durante todos estes anos que estivemos juntos, escutavaapenas aquilo que julgava serem lendas a seu respeito, e agorasei que estas lendas são realidade.
Sempre que pensava em acompanhá-la, fosse àscelebrações das segundas-feiras em seu apartamento, fosse àRomênia, fosse aos encontros com amigos, ela pedia que não ofizesse. Queria estar livre — um policial sempre intimida aspessoas, dizia. Diante de alguém como eu, até mesmo os inocentesse sentem culpados.
Estive duas vezes no armazém de Portobello sem que elasoubesse. Também sem que ela soubesse, destaquei homens paraprotegê-la em suas chegadas e saídas do local — e pelo menos umapessoa, mais tarde identificada como militante de uma seita, foidetida com um punhal. Dizia que tinha sido instruído porespíritos para conseguir um pouco de sangue da Bruxa dePortobello, que manifestava a Mãe, precisavam usá-lo paraconsagrar certas oferendas. Não pretendia matá-la, apenasrecolher o sangue em um lenço. A investigação mostrou que nãohavia realmente tentativa de homicídio; mesmo assim foiindiciado, e pegou seis meses de prisão.
Não foi minha a idéia de “assassiná-la” para o mundo —
Athena queria desaparecer, e me perguntou se isso seria possível.
Expliquei que, se a Justiça tivesse decidido que o Estado deveriamanter a guarda de seu filho, eu não poderia contrariar a lei.
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Mas a partir do momento em que o juiz manifestou-se a seu favor,estávamos livres para cumprir o seu plano.
Athena tinha plena consciência que, quando osencontros no armazém ganharam publicidade local, a sua missãoestava desencaminhada para sempre. De nada adiantava ir diante damultidão e negar que não era uma rainha, uma bruxa, umamanifestação divina — já que o povo escolheu seguir os poderosose dar poder a quem deseja. E isso iria contra tudo que elapregava — a liberdade de escolher, de consagrar o próprio pão, dedespertar os dons individuais, sem guias ou pastores.