Já não era mais o estudante que acaba de casar com uma ex-companheira de faculdade, mas um homem responsável pelo sustento de sua família, com uma enorme pressão sobre meus ombros. Meus pais, é claro, que nem sequer tinham comparecido ao casamento, condicionaram qualquer ajuda financeira à separação e à guarda do filho (melhor dizendo, meu pai comentou isso, porque minha mãe costumava telefonar chorando, dizendo que eu era um louco, mas que gostaria muito de segurar seu neto nos braços). Eu esperava que, na medida em que entendessem meu amor por Athena e minha decisão de continuar com ela, esta resistência devia passar.
Mas não passava. E agora eu precisava prover minha mulher e meu filho. Tranquei a matrícula na Faculdade de Engenharia. Recebi um telefonema do meu pai, com ameaças e afagos: dizia que, se eu continuasse assim, terminaria sendo colocado fora da herança, mas se voltasse à universidade, ele iria considerar ajudar-me “provisoriamente”, segundo suas palavras. Eu me recusei; o romantismo da juventude exige que tenhamos sempre posições radicais. Disse que podia resolver meus problemas sozinho.
Até a data que Viorel nasceu, Athena começava a fazer com que eu me entendesse melhor. E isso não tinha ocorrido através de nossa relação sexual — muito tímida, devo confessar —
mas através da música.
A música é tão antiga quanto os seres humanos, me explicaram depois. Nossos ancestrais, que viajavam de caverna em caverna, não podiam carregar muitas coisas, mas a arqueologia 180
moderna mostra que, além do pouco que necessitavam para comer, na bagagem havia sempre um instrumento musical, geralmente um tambor. A música não é apenas algo que nos conforte, ou que nos distraia, mas vai além disso — é uma ideologia. Você conhece as pessoas pelo tipo de música que elas escutam.
Vendo Athena dançar enquanto estava grávida, escutando-a tocar seu violão para que o bebê pudesse tranqüilizar-se e entender que era amado, eu comecei a deixar que sua maneira de ver o mundo contagiasse também a minha vida.
Quando Viorel nasceu, a primeira coisa que fizemos quando ele chegou em casa foi fazê-lo escutar um adágio de Albinoni. Quando discutíamos, era a força da música — embora eu não consiga estabelecer nenhuma relação lógica entre uma coisa ou outra, exceto pensar nos
Mas todo este romantismo não bastava para ganhar dinheiro. Já que eu não tocava nenhum instrumento, e não podia sequer oferecer-me para distrair clientes em um bar, terminei conseguindo apenas um emprego como estagiário em uma firma de arquitetura, fazendo cálculos estruturais. Pagavam muito pouco por hora, de modo que eu saía de casa cedo e voltava tarde. Quase não podia ver meu filho — que estava dormindo — e quase não podia conversar ou fazer amor com minha mulher, que estava exausta.
Toda noite eu me perguntava: quando será que vamos melhorar nossa condição financeira, e ter a dignidade que merecemos? Embora concorde quando Athena fala da inutilidade de diploma para a maioria dos casos, em engenharia (e direito, e medicina, por exemplo) é fundamental uma série de conhecimentos técnicos, ou estaremos arriscando a vida dos outros. E eu havia sido obrigado a interromper a busca de uma profissão que tinha escolhido, um sonho que era muito importante para mim.
As brigas começaram. Athena se queixava que eu dava pouca atenção à criança, que ela precisava de um pai, que se fosse apenas para ter um filho ela poderia fazer isso sozinha, sem precisar ter criado tantos problemas para mim. Mais de uma 181
vez bati a porta de casa e fui caminhar, gritando que ela não me entendia, que eu tampouco entendia como terminara concordando com esta “loucura” de ter filho aos 20 anos, antes que tivéssemos sido capazes de ter um mínimo de condições financeiras. Pouco a pouco deixamos de fazer amor, fosse por cansaço, fosse porque um sempre vivia irritado com o outro.
Comecei a entrar em depressão, achando que tinha sido usado e manipulado pela mulher que amava. Athena notou meu estado de espírito cada vez mais estranho, e, em vez de ajudar-me, decidiu concentrar sua energia apenas em Viorel e na música.
Minha fuga passou a ser o trabalho. De vez em quando conversava com meus pais, e sempre ouvia aquela história de que “ela teve um filho para conseguir prendê-lo”.
Por outro lado, sua religiosidade aumentava muito.
Exigiu logo o batizado, com um nome que ela mesma havia decidido
— Viorel, de origem romena. Penso que, exceto por uns poucos imigrantes, ninguém na Inglaterra se chama Viorel, mas eu achei criativo, e mais uma vez entendi que estava fazendo uma estranha conexão com um passado que nem chegara a viver — os dias no orfanato em Sibiu.