Minha verdadeira família partia para sempre. E a família onde nasci me recebia de braços abertos.
Logo depois de nossa separação e do imenso sofrimento que a seguiu, eu me perguntei se realmente não tinha sido uma decisão errada, inconseqüente, própria de pessoas que leram muitas histórias de amor na adolescência, e queriam repetir a todo custo o mito de Romeu e Julieta. Quando a dor acalmou — e só existe um remédio para isso, a passagem do tempo —, entendi que a vida me permitira encontrar a única mulher que seria capaz de amar em toda a minha vida. Cada segundo passado ao seu lado valera a pena, apesar de tudo que aconteceu tornaria a repetir cada passo que dei.
Mas o tempo, além de curar as feridas, mostrou-me algo curioso: é possível amar mais de uma pessoa durante a existência.
Casei-me novamente, estou feliz ao lado de minha nova mulher, e não posso imaginar o que seria viver sem ela. Isso porém não me obriga a renunciar a tudo que vivi, desde que tome o cuidado de jamais tentar comparar as duas experiências; não se pode medir o amor como medimos uma estrada ou a altura de um prédio.
Algo muito importante ficou da minha relação com Athena: um filho, seu grande sonho, que me foi comunicado abertamente antes de nos decidirmos casar. Tenho outro filho com minha segunda mulher, agora estou bem preparado para todos os altos e baixos da paternidade, diferente de doze anos atrás.
Certa vez, em um dos encontros quando fui pegar Viorel para ficar o final de semana comigo, resolvi tocar no assunto: perguntei por que tinha se mostrado tão calma quando soube que eu desejava me separar.
— Porque aprendi a sofrer em silêncio toda a minha vida — respondeu.
E só então abraçou-me e chorou todas as lágrimas que gostaria de ter derramado naquele dia.
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Padre Giancarlo Fontana
Vi quando ela entrou para a missa de domingo, como sempre carregando o bebê nos braços. Sabia das dificuldades que estavam passando, mas até aquela semana tudo não passava de um desentendimento normal entre casais, que eu esperava fosse resolvido mais cedo ou mais tarde, já que ambos eram pessoas que irradiavam o Bem a sua volta.
Há um ano não vinha tocar seu violão e louvar a Virgem na parte da manhã; dedicava-se a cuidar de Viorel, que eu tive a honra de batizar, embora não me lembre de nenhum santo com este nome. Mas continuava freqüentando a missa todos os domingos, e sempre conversávamos no final, quando todos já tinham ido embora.
Dizia que eu era seu único amigo; juntos participamos das adorações divinas, mas agora precisava dividir comigo as dificuldades terrenas.
Amava Lukás mais do que qualquer homem que havia encontrado; era o pai do seu filho, a pessoa que escolhera para dividir sua vida, alguém que renunciara a tudo e tivera coragem bastante para constituir uma família. Quando as crises começaram, ela tentava fazê-lo entender que era passageiro, precisava dedicar-se ao filho, mas não tinha a menor intenção de transformá-lo em uma criança mimada; logo deixaria que enfrentasse sozinho certos desafios da vida. A partir daí, voltaria a ser a esposa e a mulher que ele havia conhecido nos primeiros encontros, talvez até com mais intensidade, porque agora conhecia melhor os deveres e as responsabilidades da escolha que fizera. Mesmo assim, Lukás sentia-se rejeitado; ela procurava desesperadamente dividir-se entre os dois, mas sempre era obrigada a escolher — e nestes momentos, sem a menor sombra de dúvida, escolhia Viorel.
Com meus parcos conhecimentos psicológicos disse que não era a primeira vez que escutava este tipo de história, e que os homens geralmente sentem-se rejeitados em uma situação como 186
essa, mas logo passa; já assistira a este tipo de problema antes, conversando com meus paroquianos. Em uma destas conversas, Athena reconheceu que talvez tivesse se precipitado um pouco, o romantismo de ser uma jovem mãe não lhe deixou ver com clareza os verdadeiros desafios que surgem depois do nascimento do filho.
Mas agora era tarde demais para arrependimentos.
Perguntou se eu poderia conversar com Lukás — que jamais aparecia na igreja, seja porque não acreditava em Deus, seja porque preferisse usar as manhãs de domingo para estar mais próximo de seu filho. Eu me prontifiquei a fazê-lo, desde que ele viesse por sua própria vontade. E quando Athena estava prestes a pedir-lhe este favor, a grande crise aconteceu, e o marido saiu de casa.
Aconselhei-a a ter paciência, mas ela estava profundamente ferida. Já tinha sido abandonada uma vez na infância, e todo o ódio que sentia de sua mãe de sangue foi automaticamente transferido para Lukás — embora mais tarde, pelo que soube, tenham voltado a ser bons amigos. Para Athena, romper os laços de família era talvez o pecado mais grave que alguém pudesse cometer.