– Que povo bonito e amável, Watson! Se este sujeito tivesse feito as coisas por sua conta, o caso teria sido bem mais horroroso. Eu imagino, mesmo do jeito que aconteceu, quanto Small não teria dado para ter dispensado a colaboração dele.
– Mas como ele arranjou um companheiro tão singular?
– Isso é querer saber muito! Mas como já sabemos que Small veio das ilhas Andamã, não admira que esse nativo de lá tenha vindo com ele. Quando chegar a ocasião, nós o saberemos. Escute, Watson, você parece estar bem cansado. Deite-se ali no sofá, vou fazê-lo dormir com o meu violino.
Apanhou-o num canto, e eu estava me esticando numa posição cômoda quando ele começou uma ária melodiosa, lenta, sonhadora. Provavelmente era de sua autoria, porque ele tinha um talento notável para improvisar. Lembro-me vagamente dos seus membros descarnados, da expressão séria e dos movimentos do arco. Depois tive a impressão de estar flutuando tranqüilamente num mar de sons suaves até que me encontrei na terra dos sonhos, com os olhos doces de Mary Morstan me fitando.
Capítulo 9
a corrente se quebra
A
Ele me olhou quando me mexi e notei que seu rosto estava sombrio e perturbado.
– Você dormiu como um anjo. Receei que a nossa conversa o acordasse.
– Não ouvi nada. Então teve notícias?
– Infelizmente, não. Confesso que estou surpreso e desapontado. A esta hora eu esperava ter alguma informação precisa. Wiggins veio aqui há pouco. Diz que não há o menor sinal da lancha. É um contratempo irritante este, porque cada hora que passa é importante.
– Posso fazer alguma coisa? Agora estou perfeitamente descansado e pronto para outra excursão noturna.
– Não, não podemos fazer nada. Só esperar. Se formos nós mesmos, pode chegar algum aviso na nossa ausência e as coisas se atrasarem ainda mais. Você pode fazer o que quiser, mas eu preciso permanecer no meu posto.
– Então vou a Camberwell visitar a sra. Forrester. Ela me pediu ontem.
– Por causa da sra. Forrester? – perguntou Holmes com um olhar irônico.
– Por causa da srta. Morstan também, é claro. Elas estavam ansiosas por saber o que está acontecendo.
– Eu não lhes contaria muita coisa – disse Holmes.
– Não se deve confiar totalmente nas mulheres... nem mesmo nas melhores.
Não parei para discutir este sentimento cruel.
– Estarei de volta daqui a uma ou duas horas.
– Muito bem. Boa sorte. Mas já que você vai atravessar o rio, pode levar o
Saí levando o cachorro e meia libra para o velho naturalista de Pinchin Lane. Em Camberwell, encontrei a srta. Morstan um tanto cansada depois das emoções da véspera, mas ansiosa para ouvir as novidades. A sra. Forrester também estava curiosa. Contei-lhes o que tínhamos feito, mas suprimindo as partes mais tenebrosas da tragédia. De modo que falei da morte de Sholto, mas sem dizer como tinha sido executada. Apesar de todas as minhas omissões, ainda tiveram muitos motivos de assombro e susto.
– É um romance – exclamou a sra. Forrester. – Uma mulher roubada, um tesouro de meio milhão, um negro canibal e um rufião de perna-de-pau. Fazem o papel do dragão convencional ou do conde malvado.
– E dois cavaleiros errantes para o salvamento – disse a srta. Morstan, olhando para mim com brilho no olhar.
– A sua fortuna, Mary, depende do resultado desta busca. Mas acho que não está muito entusiasmada. Imagine só o que não valerá ser tão rica e ter o mundo aos seus pés!
Senti uma grande alegria ao constatar que ela não mostrava sinal de orgulho com a perspectiva. Pelo contrário, fez um movimento com a cabeça altiva, como se fosse um assunto que lhe despertasse pouco interesse.