Banhei seu rosto com óleo, coloquei algodão nas partes em carne viva e dei-lhe uma injeção de morfina. Toda a desconfiança que ele tinha de mim desapareceu com o choque, e ele agarrava-se às minhas mãos como se eu tivesse o poder, ainda agora, de desembaçar aqueles olhos de peixe morto que se fixavam em mim. Eu poderia ter chorado diante daquela ruína se não me lembrasse muito bem da vida depravada que provocara aquela transformação medonha. Era repugnante sentir o toque de suas mãos queimadas, e fiquei aliviado quando o médico da família, e logo depois um especialista, chegaram para me aliviar do meu fardo. Um inspetor de polícia também havia chegado, e eu entreguei a ele o meu verdadeiro cartão. Teria sido inútil e imprudente agir de outra forma, porque sou quase tão conhecido de vista pela Scotland Yard quanto o próprio Holmes. Em seguida, saí daquela casa de tristeza e terror. Uma hora depois eu estava em Baker Street.
Holmes estava sentado em sua cadeira de sempre e parecia muito pálido e exausto. Além de seus ferimentos, mesmo os seus nervos de aço ficaram abalados pelos acontecimentos da tarde, e ele ouviu com horror o meu relato sobre a transformação do barão.
– O preço do pecado, Watson – o preço do pecado! – ele disse. – Mais cedo ou mais tarde ele terá de ser pago. Deus sabe que havia pecado suficiente – acrescentou pegando um livro marrom que estava na mesa. Este é o livro de que a mulher falou. Se isto não desmanchar o noivado, nada jamais o fará. Mas este livro conseguirá, Watson. Tem de consegui-lo. Nenhuma mulher que se preza poderia suportar isto.
– É seu diário de amor?
– Ou seu diário de luxúria. Chame isto como quiser. Quando a mulher nos falou do livro, percebi que havia ali uma arma tremenda, se pudéssemos botar as mãos nele. Na hora, não disse nada que revelasse meus pensamentos, pois aquela mulher poderia me trair e contar a ele. Mas refleti sobre o assunto. Depois, esse ataque que sofri deu-me a oportunidade de fazer o barão pensar que não precisava tomar nenhuma precaução contra mim. Foi tudo providencial. Eu teria esperado mais um pouco, porém sua viagem aos Estados Unidos me obrigou a agir. Ele nunca deixaria para trás um documento tão comprometedor. Portanto, precisávamos agir imediatamente. Um assalto à noite é impossível. Ele toma precauções. Mas havia uma chance à tarde, se eu pelo menos pudesse ter certeza de que a atenção dele estaria ocupada. Foi aí que você e o seu pires entraram em ação. No entanto, eu precisava ter certeza do lugar onde estava o livro, e sabia que tinha apenas alguns minutos para agir, porque o meu tempo seria limitado pelos seus conhecimentos de porcelana chinesa. Por isso trouxe a moça comigo no último momento. Como eu poderia ter adivinhado o que continha o pacotinho que ela carregava com tanto cuidado debaixo da capa? Pensei que ela estivesse a meu serviço, mas parece que a moça tinha um trabalho próprio a realizar.
– Ele adivinhou que eu fora mandado por você.
– Eu temia isso. Mas você o manteve no jogo o suficiente para que eu pudesse pegar o livro, embora não o suficiente para uma fuga despercebida. Ah, sir James, estou muito satisfeito por ter vindo!
Nosso elegante amigo apareceu, atendendo a uma convocação prévia. Ele ouviu com a maior atenção o relato de Holmes sobre os acontecimentos.
– Vocês fizeram maravilhas – maravilhas! – ele exclamou quando acabou de ouvir a narrativa. – Mas se esses ferimentos são tão terríveis quanto o dr. Watson os descreve, certamente nosso objetivo de impedir o casamento está garantido, sem a necessidade de se fazer uso deste livro horrendo.
Holmes sacudiu a cabeça.
– Mulheres do tipo da de Merville não agem desta forma. Ela o amaria ainda mais como um mártir desfigurado. Não, não. É o seu lado moral, não físico, que precisamos destruir. Este livro a trará de volta à terra, não sei de mais nada que o conseguisse. Está escrito com sua própria caligrafia. Ela não pode ignorá-lo.
Sir James levou o livro e o pires precioso. Como eu já estava atrasado, desci com ele até a rua. Uma carruagem o esperava. Ele saltou para dentro dela, deu uma ordem apressada ao cocheiro que trazia suas cores no chapéu e partiu rapidamente. Ele jogou metade do seu sobretudo para fora da janela, a fim de cobrir o escudo sobre a almofada da porta, mas eu já o avistara, devido à luz que vinha da nossa porta. A surpresa me deixou sem ar. Então voltei e subi as escadas, em direção à sala de Holmes.
– Descobri quem é o nosso cliente – exclamei, entusiasmado com a minha grande novidade. – Holmes, ele é...
– É um amigo leal e um cavalheiro cortês – disse Holmes, erguendo a mão para me impedir de continuar. Que isto, agora e para sempre, fique entre nós.