– Eu estava quase acreditando que o senhor sabia de tudo sem que ninguém lhe contasse – ele disse. – Mas vou expor-lhe os fatos, e espero em Deus que seja capaz de me dizer o que significam. Fiquei acordado a noite inteira quebrando a cabeça, e quanto mais eu penso, mais incrível me parece.
– Quando entrei para o Exército, em 1901 – exatamente há dois anos –, o jovem Godfrey Emsworth havia ingressado no mesmo esquadrão. Ele era o único filho do coronel Emsworth – Emsworth, o veterano da Guerra da Criméia – e tinha o sangue de um combatente, de modo que não é de admirar que tenha se alistado como voluntário. Não havia no regimento rapaz melhor do que ele. Fizemos amizade – o tipo de amizade que só pode ser feita quando se vive a mesma vida e se participa das mesmas alegrias e tristezas. Ele era o meu camarada – e isso significa muitíssimo no Exército. Enfrentamos juntos a tempestade e a bonança durante um ano de luta árdua. Então ele foi ferido por uma bala disparada por uma arma de caçar elefantes, numa ação perto de Diamond Hill, nos arredores de Pretória. Recebi uma carta do hospital, na Cidade do Cabo, e outra de Southampton. Desde então, nem mais uma palavra – nem uma linha, sr. Holmes, durante seis meses, talvez mais, e ele é o meu companheiro mais chegado.
– Bem, quando a guerra acabou e todos nós voltamos, escrevi ao pai dele e perguntei onde estava Godfrey. Não houve resposta. Aguardei um pouco e depois escrevi novamente. Desta vez tive uma resposta curta e impertinente. Godfrey tinha partido numa longa viagem pelo mundo e não era provável que regressasse antes de um ano. Foi tudo.
– Não fiquei satisfeito, sr. Holmes. Tudo me parecia tão esquisito. Ele era um bom rapaz e não iria abandonar um companheiro desta maneira. Não era o jeito dele. Mais tarde, soube que ele havia herdado muito dinheiro, e também que o pai e ele nem sempre se davam bem. O velho às vezes é um tirano, e o jovem Godfrey, genioso demais para agüentar o pai. Não, eu não estava satisfeito e decidi que iria à raiz do problema. Aconteceu, porém, que meus negócios, depois de dois anos de ausência, precisavam ser postos em ordem, de modo que somente esta semana pude tratar novamente do caso de Godfrey. Mas, já que vou me dedicar ao problema, pretendo deixar tudo em ordem, a fim de ver este caso terminado.
O sr. James M. Dodd parecia ser o tipo de pessoa que é preferível se ter como amigo do que como inimigo. Seus olhos azuis eram duros, e sua mandíbula quadrada retesara-se enquanto falava.
– Bem, o que foi que o senhor fez? – perguntei.
– Meu primeiro passo foi ir até a casa dele, em Tuxbury Old Park, perto de Bedford, e ver pessoalmente como estava a situação. Por isso escrevi à mãe dele – já estava farto do velho rabugento – e fiz uma investida direta: Godfrey era meu companheiro, e eu queria muito poder contar a ela nossas experiências comuns; estaria nas redondezas, haveria alguma objeção etc., etc.? Recebi uma resposta muito amável e um oferecimento para que eu passasse a noite lá. Foi por isso que parti na segunda-feira.
– Tuxbury Old Hill é inacessível – fica a 8 quilômetros de qualquer lugar. Na estação não havia condução, de modo que tive de ir a pé, carregando a mala, e já estava ficando escuro quando cheguei. É uma casa grande, esquisita, no meio de um vasto parque. Eu diria que a casa tem todas as épocas e estilos, começando pelos alicerces elisabetanos e terminando num pórtico vitoriano. O interior está repleto de painéis, tapeçarias e velhos quadros meio apagados, uma casa de sombras e mistério. Havia um mordomo, o velho Ralph, que parecia ter a mesma idade da casa, e sua esposa, que deve ser mais velha. Ela havia sido governanta de Godfrey, e eu ouvira Godfrey falar dela como a pessoa de quem ele mais gostava depois de sua mãe, de modo que me interessei por ela, apesar de sua aparência excêntrica. Também gostei da mãe dele – uma mulher pequena e dócil como um camundongo branco. Só o coronel é que eu não conseguia engolir.
– Logo de início tivemos uma pequena discussão, e eu teria voltado para a estação, se não tivesse sentido que com isso eu estaria fazendo o jogo dele. Fui levado diretamente para o seu gabinete de trabalho e lá o encontrei, um homem imenso e curvo, com uma pele doentia e uma barba cinzenta e hirsuta, sentado atrás da escrivaninha em desordem. Um nariz vermelho e cheio de veias projetava-se como um bico de abutre, e dois cruéis olhos cinzentos olhavam-me com raiva, sob os tufos das sobrancelhas. Agora eu podia entender por que Godfrey raramente falava de seu pai.
– “Bem, senhor”, ele disse em voz áspera. “Eu gostaria de saber o verdadeiro motivo de sua visita.”
– Respondi que havia explicado esses motivos em minha carta à sua esposa.
– “Sim, sim; você disse que conheceu Godfrey na África. Naturalmente como prova, você tem apenas a sua palavra.”
– “Tenho no bolso as cartas que ele me escreveu.”
– “Tenha a bondade de me mostrar as cartas.”