– É perigoso, Watson, muito perigoso. Não, não acho que eles fariam isso. Pare, cocheiro! Evidentemente aqui é a casa funerária, porque acabamos de passar pela loja de penhores. Você quer entrar, Watson? Sua aparência inspira confiança. Pergunte a que horas será o enterro de Poultney Square amanhã.
A mulher da funerária respondeu sem hesitar que seria às oito horas.
– Está vendo, Watson, não há mistério; tudo às claras! De algum modo os procedimentos legais foram cumpridos, e eles acham que não têm o que temer. Bem, nada mais resta a não ser um ataque direto. Está armado?
– Minha bengala!
– Bem, bem, seremos suficientemente fortes. “Três vezes está armado quem luta por uma causa justa”. Simplesmente não podemos nos dar ao luxo de aguardar a polícia ou ficar nos limites da lei. Pode ir embora, cocheiro. E agora, Watson, vamos confiar na nossa sorte, como já fizemos algumas vezes antes.
Ele bateu com força na porta de uma casa escura e grande, no centro de Poultney Square. Ela foi aberta imediatamente e a silhueta de uma mulher alta apareceu à luz fraca do vestíbulo.
– Sim, o que desejam? – perguntou rispidamente, espiando-nos na escuridão.
– Quero falar com o dr. Shlessinger! – respondeu Holmes.
– Não há ninguém aqui com este nome – ela disse, tentando fechar a porta; mas Holmes a impediu, colocando o pé.
– Bem, quero conversar com o homem que mora aqui, seja lá qual for o seu nome – ele insistiu.
Ela hesitou. Depois abriu a porta.
– Bem, entrem. Meu marido não tem medo de enfrentar nenhum homem no mundo.
Fechou a porta e nos conduziu a uma sala à direita da entrada, acendendo o lampião antes de sair. O sr. Peters estará aqui num minuto – disse.
Ela dissera a verdade porque mal tínhamos tido tempo de dar uma olhada no lugar poeirento e cheio de traças em que estávamos quando uma porta se abriu e um homem alto, rosto bem barbeado e careca entrou silenciosamente na sala. Tinha uma cara redonda e vermelha, bochechas caídas e um ar de benevolência superficial, contrastando com uma boca que sugeria crueldade.
– Com certeza deve haver algum engano aqui, cavalheiros – ele disse, numa voz untuosa e solícita. – Receio que os senhores tenham se enganado de endereço. Talvez se tentarem a casa vizinha...
– Chega, não temos tempo a perder – disse Holmes com firmeza. – O senhor é Henry Peters, de Adelaide, ultimamente conhecido como o reverendo dr. Shlessinger, de Baden e da América do Sul. Tenho tanta certeza disso como de que meu nome é Sherlock Holmes.
Peters, como o chamarei daqui para a frente, tremeu e encarou seu poderoso adversário.
– Acho que seu nome não me atemoriza, sr. Holmes – ele disse com frieza. – Quando um homem tem a consciência tranqüila, não há o que temer. O que o traz à minha casa?
– Quero saber o que o senhor fez com lady Frances Carfax, que trouxe de Baden.
– Eu ficaria contente se o senhor pudesse me dizer onde está essa senhora – respondeu Peter com frieza. – Tenho uma conta a acertar com ela de quase 100 libras e nada como garantia a não ser um par de pingentes falsos que um negociante nem sequer olharia. Ela se ligou à minha mulher e a mim em Baden – é verdade que eu usava outro nome na ocasião – e ficou grudada em nós até virmos para Londres. Paguei as despesas e a passagem dela. Depois que chegamos aqui ela sumiu e, como eu disse, deixou como pagamento essas jóias antiquadas. Encontre-a, sr. Holmes, e eu ficarei grato.
– Eu quero encontrá-la mesmo! – disse Sherlock Holmes. – Vou vasculhar esta casa até achá-la.
– Onde está seu mandado?
Holmes mostrou um revólver no bolso.
– Isto vai servir até que chegue um.
– Ora, então o senhor é um ladrão comum.
– Pode me descrever assim – respondeu Holmes jovialmente. – Meu companheiro também é um bandido perigoso. E juntos nós vamos examinar sua casa.
O homem abriu a porta.
– Chame a polícia, Annie! – gritou.
Ouvimos o farfalhar de um vestido no corredor e a porta da frente sendo aberta e fechada.
– Nosso tempo é curto, Watson – disse Holmes. – Se tentar nos impedir, Peters, vai se machucar. Onde está aquele caixão que foi trazido para cá?
– O que quer com ele? Está ocupado. Há um corpo dentro dele.
– Preciso ver esse corpo.
– Não permitirei.
– Então será sem a sua permissão.
Com um movimento rápido, Holmes empurrou o sujeito para o lado e entrou no vestíbulo. Diante de nós havia uma porta semi-aberta. Entramos. Era a copa. Na mesa, sob um candelabro, havia um caixão. Holmes aumentou a luz do ambiente e abriu a tampa. Lá no fundo estava uma figura magrinha. À luz do candelabro vimos um rosto velho e enrugado. Nenhum processo de crueldade, fome ou doença poderia transformar o rosto ainda belo de lady Frances Carfax naquela ruína. O rosto de Holmes mostrou espanto e alívio.
– Graças a Deus! – murmurou. – É outra pessoa.
– Ah, o senhor se deu mal pelo menos uma vez, sr. Holmes – disse Peters, que entrara na copa atrás de nós.
– Quem é esta morta?